6 de jul. de 2008

Ana - Um conto

Ana. Meu nome é Ana. Não sei o que significa meu nome, mas sinto-me pequena. Aliás, sou a menor de minhas irmãs. Lembro-me das zombarias na escola. Chegaram a me chamar de anã. Hoje, depois de tantos anos, pergunto-me, ainda, para onde vou. São tantas incertezas. Tenho certeza de que essa insegurança é porque estive cercada de verdades absolutas. Canso-me de pessoas com sistemas de crenças que acabam por nos diminuir, deixando de lado nossas singularidades. Lembro-me, que sempre que quis algo, minha família conservadora, tirava-me. Não eram déspotas. Eram cínicos, faziam pouco caso quando eu tinha uma grande idéia.Ia para o meu quarto, lugar seguro. Meu travesseiro encontrava-se quase sempre molhado. O choro vinha das profundezas de uma dor que eu sabia ser exagerada, mas ainda assim, era grande. Às vezes, eu dormia e sonhava com meu nome. Era capaz de fazer coisas, como dançar, levantar uma das pernas até o alto. Eu era bonita, nos meus sonhos. Vestia-me com primor, era elegante e alta. Pensava ser uma intelectual, uma mulher que os homens respeitavam e admiravam. Acordava com uma sensação que a qualquer momento, ao me levantar da cama, algo iria acontecer, que seria um dia glorioso, que eu me descobriria. Depois do café, sentia-me novamente sem fôlego. Parecia que estava sempre deprimida, com um roupão sobre minha pele alva, sem graça e sem jeito de recomeçar. Olhava pela janela à busca de inspiração. Assistia ao cenário amarelo e azul e nada vinha. Sentia-me também preguiçosa. Lembro que as vozes vinham do fundo, velozes. Minha família, muito elétrica, gritava pelo meu nome, na tentativa de me tirar daquele ostracismo. Tudo em vão. Aquelas pessoas malvadas não se davam conta de como feriam meus sentimentos. Idealizavam uma Ana que jamais eu poderia ser. Idealizavam e tiravam de mim qualquer dignidade. Sentia uma solidão enorme e só me preenchia quando ia conversar com os criados da casa. Minha babá, Anete, senhora robusta, com olhar meigo, sempre que me via, dizia: Pequena Ana, por onde você andou? Acabei de fazer um pãozinho quente para você. Ela me olhava com ternura e meus olhos se enchiam de lágrima. Quantas saudades eu sentia de mim sentada em seu colo, com meus cachos sobre seu ombro e ela cantarolando uma música infantil. Naquela época eu não sabia que pertencia a uma família rica, inteligente ,mas insensível.Ao fechar meus olhos, minha boca entreaberta, mastiga, devagar o pão saboroso. Sinto que aquela casa enorme não tem espaço que eu caiba. Minha sensação é que só saberei qual a finalidade de minha vida quando eu puder ir embora. Saio pela varanda, descalça caminho em direção ao portão de ferro. Estou determinada. Aos poucos, desacelero. A vida me cansa. Caminhar me cansa. Eles sugaram minhas forças. Minha mãe morrera quando eu ainda era um bebê. Todos cuidaram de mim. Vejo vários rostos. Sinto saudades de alguém que não conheci. Sinto que apenas minha mãe poderia ter me salvado. Retorno do portão. O mundo é grande demais. O mundo não me pertence. Chamo-me Ana. Não conheço o significado. É um nome de três letras apenas. Pequeno. Eu sou pequena. Não quero crescer. Não quero mais mostrar para o mundo do que sou capaz. Não existem finalidades. Existe a pressão da cultura. Quero apenas voltar para minha cama e só.

Marisa Speranza