29 de dez. de 2008

Véspera de Ano Novo


Quase véspera de ano novo. Gôsto de aniz, arco-íris. Vontade de criar coisas novas, de viver o não vivido. Sair da preguiça, colocar o pé na estrada. Ver novos horizontes, fazer roupa nova para o cotidiano. Trocar lençóis, móveis e paredes. Pintar aquarelas com pinceladas a esmo. Gosto de abstrato. Gosto de abstrair. É difícil fazer amigos profundos; requer muita sutiliza e menos formalidades. Reinventar a história. Voltar no tempo, fazer mais besteiras e refazer algumas que fiz. Planejar menos, executar mais. Sentir o sol, mais sexo, menos pudor nas relações. Dizer mais o que penso, pensar mais o que falo. Tudo tinindo, tudo em cima. Divagar, devagar. Jogar o jogo das emoções, não temer os descompassos do coração. Dançar, mexer, ondular. Rir muito, sorrir mais. Vinho! Bocas ! Luzes! Cama com amor! Remexer no calendário e remoçar. Brilhar, ousar, jogar coisas fora. Sentir. Ler. Beijar. Abraçar. Tocar. Coisas simples, nada demais. Eu consigo.
Marisa Speranza

12 de out. de 2008

Mulher Excêntrica

"Ser excêntrica é estar além de convenções. Ter aprendido que destruir conceitos e recriar outros é responsabilidade de pessoas incomuns. Gosta de algumas coisas extravagantes, geralmente tem olhar de águia, observador. Seu talento brilha porque seus atos vazam. As opiniões se modificam como as estações do ano, porque estão atentas às suas sensações. Sempre em devir, percebendo tudo e conjecturando, A mulher excêntrica, por excelência, aprende na pele, a dor da diferença e cresce em sua própria superação e autonomia. Seu alvo de vida é a própria vida, com seus sabores e dissabores. Ser excêntrica não é algo que se determina ser. Ou é ou não é."
Marisa Speranza

12 de set. de 2008

Sonhos de liberdade

Quando eu era criança não sabia que era tão complicado. Brincava e corria à procura de vento e sol. Era, na época, meu único destino. O tempo passou e foi um longo processo, da meninice à vida adulta. Quantas responsabilidades. Quantas alegrias por universos conquistados. Hoje, vejo meus filhos crescendo na velocidade luz. Sinto falta de conversas mais longas, de lanches mais rebuscados, do riso solto na mesa farta. A família se reunia, contava coisas do cotidiano. Não me lembro dos assuntos serem contas a pagar. Lembro de comemorações, de como estávamos na escola, como eram nossos amigos. Como foi dar o primeiro beijo adocicado pelo amor. Como foi a primeira noite, dos carinhos e afagos. Havia um olhar para as pessoas de forma mais humana, menos banal. Tudo tão bonito; até quando aconteciam coisas ruins era bonito. Era mais íntegro. Tínhamos uma vontade de poder, de potência, de liberdade. Vontade de ousar e de superar. Buscávamos ter empatia por nossa profissão. Sentíamos, em nós mesmos, o nosso dom. Não precisávamos de exércitos de orientadores profissionais para dizer do que gostávamos, o que nos realizava. Hoje vejo jovens mais tristes, mais frenéticos, sem tempo sequer de dizerem olá. Parece que o mundo vai acabar, que suas vidas serão arruinadas a qualquer momento.O dinheiro, a máscara da superfície ganhou forma. Somente a pele é relevante. Danem-se nossas vísceras, nossos afetos, nossos desejos mais sublimes. As pessoas brigam, se maltratam e não se olham mais nos olhos, não são mais francas, de coração. São cegamente narcisistas, só pensam nelas mesmas e são francamente más. A competição é grande, todos têm inveja de alguma coisa ou de algo que alguém tem. Todos querem possuir sem gostar, sem o dom de apreciar. Lembro-me quando meu avô trazia prá casa alguns doces. Leite condensado era artigo de luxo. Lambia os beiços quando comia palitinhos de chocolates comprados na feira. Hoje temos tantas marcas de biscoitos que perdemos o paladar; não sabemos o que é amargo ou doce. Teria tanto que escrever, tanto que dizer. De qualquer forma, deixo um recado para quem ainda não nasceu ou para quem quer renascer: olhem mais, escutem com atenção, se alimentem com tranqüilidade, saboreiem a vida. Enxerguem com o coração, respeitem os outros, respeitem as regras, quebrem-nas com sabedoria. Tenham amor à vida! Tenham amor ao planeta. Tenham amor pela família e não confundam amizades interesseiras com amizade profunda; isso requer mais cuidado, mais assertividade e mais trabalho. Não julgue o que você é, somando ou diminuindo. Ser inteiro leva tempo e requer habilidades.Talvez sua busca nunca se complete, mas você tentou. E, saiba sempre que tudo na vida tem conseqüências. As coisas sempre têm vários lados. Priorize o seu lado melhor e aprenda com os erros.
Marisa Speranza

8 de set. de 2008

Insônia


Mexendo nas orelhas,adormeço. Sonhos me agitam o coração e, na exaustão, acordo. Fico o dia todo tentando equilibrar as forças que se agitam dentro de mim; estou sem foco. O dia passa e as pessoas por mim, sem eu querer interagir, nem conversar. Como vampiras, elas tentam sugar o que resta da noite passada, essa mal dormida. O banho que eu tomo é quente, deixo cair o óleo que acaricia a pele, como veludo. Estou pela metade, cumprindo um ritual do cotidiano. Saio pelas salas e quartos a procura de algo que me faça voltar. Pego um livro, releio páginas tão desgastadas e nada consegue me alcançar. Vejo um filme chato. Ou eu estou . Ambos nos encontramos no tédio da meia-luz, da outra noite que está por vir. Preciso dormir, me deixar cair, me deixar levar. Preciso de outro ser que me embale no inverno, que me faça esquecer das promessas não cumpridas, dos amores não amados. Tanta coisa ainda vive,mas desordenadamente. Uma parte do insconsciente vaza e me vejo meio louca. Posso gritar, triunhar sobre falsas mentiras. Como as coisas são repetitivas! As mesmas coisas são ditas de formas diferentes. Nada se cria, tudo se refaz, do ontem, se faz o hoje. O futuro humano, caótico e apaziguador ainda está por vir. Essa natureza humana que insiste em ser a mesma. Versões de culpa, ressentimento e mágoas e, todos presos, nos grilhões do tempo. Do mesmo tempo. Faço de conta que amanhã será diferente. Vou acordar, darei um bom dia sem animação para aquele rosto tão mentiroso quanto eu. Falarei qualquer besteira, perguntarei algo como se estivesse interessada. Não cabem mais mentiras no mundo. Sou o que fizeram de mim. Palavras aprendidas, máscaras virtuosas, na tentativa de enganar. Nada disso eu quero dizer. Sinto-me uma estrangeira dentro de meu próprio ser, ofegante, pálido, sem vida. Não quero a morte porque ainda não estou preparada para que sintam minha falta. Preciso desapegar. Odeio religiões mentirosas que iludem as pessoas a acreditarem em seus egos imortais. Quanto narcisismo, não dar lugar à vida quando seu fim chega. Nada pode ser absoluto; não teria a menor graça. Essa coisa de continuidade é para os fracos, das pessoas que não têm coragem de viver no vazio, no escuro, no silêncio. Hoje quero o mundo calado, sem ruídos, brincando de morte, brincando de coisas mais verdadeiras. Não quero mais me enganar. Me dá náuseas ter que fingir e saber que fingem prá mim. O mundo dá voltas, em zigue-zague e nada é igual apesar de parecer. É porque as mesmas palavras nos atrapalham. É sempre a mesma porcaria de letras e de discursos. Queria a arte de se criarem novas formas de ser, de existir. Nada de palavras ôcas e de clichês. Nada de excessos de sentimentalismos aprendidos. Tudo é cultura, é a chatice de fazer-de-contas que sou mais que você e assim vai. Todos os dias podem ser noites. O meu dia foi noite, não porque estivesse infeliz. Aliás, outro modo de nos chatearem é quererem interpretar o que sentimos ou de que forma nos conduzimos. Tanta mediocridade não deveria ocupar o espaço que pertence ao oxigênio. Hoje quero uma noite de luz, de vida, dos sonhos dourados, sem palavras, sem medo. Apenas fantasias. Quero um sonho do impossível, das coisas que não alcanço, da idéia de um mundo que não cabe em si. Conhecemos as estrelas, a lua e o Sol. Chegam aos nossos sentidos. Quero um deus diferente, além do universo e das explicações místicas. Quero excesso de sensação, de profundidade e de êxtase. De forma singular, que pertença apenas a mim e que ninguém possa explicá-lo.
Marisa Speranza

20 de ago. de 2008

Magra, rica e infeliz

Ela se espreguiça, levanta da cama e se olha no espelho. Sente-se mais gorda. Tira um closet da silhueta e faz uma cara de poucos amigos. É escrava da mídia, do sistema masculino, da autoridade que nem lhe pergunta como se sente. Acredita em todas as baboseiras que lhe dizem e, acredita que ser feliz é ser mais magra, ter dinheiro e ser bonita. É um fardo ter que carregar todos esses batons, cílios postiços e,ter na bolsa, um monte de coisas que lhe pesam literalmente nos ombros. Há muito tempo queria ser apenas feliz, mas de outro modo. Pensava que,quando crescesse teria mais liberdade, que sairia dos grilhões dos pais. Pensou que um dia pudesse ser dona de seu nariz, ter autonomia e blá blá blá. Faz o café, come aquelas bolachas insípidas com a manteiga light. Lembra-se do mamão, que na verdade ela detesta, mas precisa dele porque faz bem ao intestino. São tantos mandamentos, que tem saudades da mãe, quando lhe fazia bolos, brigadeiros e mingau à noite. O banho precisa ser cronometrado porque ainda precisa deixar a roupa na lavanderia antes de ir para o trabalho. Passa no tintureiro também para pegar o terninho que ainda lhe cai bem. Voa para o carro, corre e, fala ao telefone, olhando de esguelha para a polícia não multá-la. Chega no estacionamento do trabalho, com um sorriso falso porque na verdade gostaria de mandar tudo às favas e estar dormindo com suas roupas usadas e rasgadas. Seu dia passa rápido, mas não sabe nem o que comeu no almoço. Sabe que foi salada, mas já faz as combinações de forma automática e mal saboreia porque precisa estar com um cliente em vinte minutos. Novamente ela corre. Retorna para o trabalho, cruza com o porteiro e lhe dá um olhar de cumplicidade. Ninguém ousa dizer nada a respeito, afinal de contas eles têm um trabalho a realizar. Fica horas a fio no telefone e, quando termina, pega seu peso, vai ao toilette e passa o baton; não sabe prá quê,mas faz parte do ritual. Enfim, volta para casa, tira os sapatos apertados e tira do congelador alguma coisa pronta. Pega o vinho, abre, toma uma taça, que saboreia, em sua solidão. Pensa: deve ser o vinho que está me engordando. Triste,ela toma uma ducha, vê alguma imagem na televisão e, prepara-se para dormir. Amanhã terei que passar no supermercado depois do trabalho. Preciso comer melhor. Estou engordando. Acho que estou infeliz.

6 de jul. de 2008

Ana - Um conto

Ana. Meu nome é Ana. Não sei o que significa meu nome, mas sinto-me pequena. Aliás, sou a menor de minhas irmãs. Lembro-me das zombarias na escola. Chegaram a me chamar de anã. Hoje, depois de tantos anos, pergunto-me, ainda, para onde vou. São tantas incertezas. Tenho certeza de que essa insegurança é porque estive cercada de verdades absolutas. Canso-me de pessoas com sistemas de crenças que acabam por nos diminuir, deixando de lado nossas singularidades. Lembro-me, que sempre que quis algo, minha família conservadora, tirava-me. Não eram déspotas. Eram cínicos, faziam pouco caso quando eu tinha uma grande idéia.Ia para o meu quarto, lugar seguro. Meu travesseiro encontrava-se quase sempre molhado. O choro vinha das profundezas de uma dor que eu sabia ser exagerada, mas ainda assim, era grande. Às vezes, eu dormia e sonhava com meu nome. Era capaz de fazer coisas, como dançar, levantar uma das pernas até o alto. Eu era bonita, nos meus sonhos. Vestia-me com primor, era elegante e alta. Pensava ser uma intelectual, uma mulher que os homens respeitavam e admiravam. Acordava com uma sensação que a qualquer momento, ao me levantar da cama, algo iria acontecer, que seria um dia glorioso, que eu me descobriria. Depois do café, sentia-me novamente sem fôlego. Parecia que estava sempre deprimida, com um roupão sobre minha pele alva, sem graça e sem jeito de recomeçar. Olhava pela janela à busca de inspiração. Assistia ao cenário amarelo e azul e nada vinha. Sentia-me também preguiçosa. Lembro que as vozes vinham do fundo, velozes. Minha família, muito elétrica, gritava pelo meu nome, na tentativa de me tirar daquele ostracismo. Tudo em vão. Aquelas pessoas malvadas não se davam conta de como feriam meus sentimentos. Idealizavam uma Ana que jamais eu poderia ser. Idealizavam e tiravam de mim qualquer dignidade. Sentia uma solidão enorme e só me preenchia quando ia conversar com os criados da casa. Minha babá, Anete, senhora robusta, com olhar meigo, sempre que me via, dizia: Pequena Ana, por onde você andou? Acabei de fazer um pãozinho quente para você. Ela me olhava com ternura e meus olhos se enchiam de lágrima. Quantas saudades eu sentia de mim sentada em seu colo, com meus cachos sobre seu ombro e ela cantarolando uma música infantil. Naquela época eu não sabia que pertencia a uma família rica, inteligente ,mas insensível.Ao fechar meus olhos, minha boca entreaberta, mastiga, devagar o pão saboroso. Sinto que aquela casa enorme não tem espaço que eu caiba. Minha sensação é que só saberei qual a finalidade de minha vida quando eu puder ir embora. Saio pela varanda, descalça caminho em direção ao portão de ferro. Estou determinada. Aos poucos, desacelero. A vida me cansa. Caminhar me cansa. Eles sugaram minhas forças. Minha mãe morrera quando eu ainda era um bebê. Todos cuidaram de mim. Vejo vários rostos. Sinto saudades de alguém que não conheci. Sinto que apenas minha mãe poderia ter me salvado. Retorno do portão. O mundo é grande demais. O mundo não me pertence. Chamo-me Ana. Não conheço o significado. É um nome de três letras apenas. Pequeno. Eu sou pequena. Não quero crescer. Não quero mais mostrar para o mundo do que sou capaz. Não existem finalidades. Existe a pressão da cultura. Quero apenas voltar para minha cama e só.

Marisa Speranza

29 de jun. de 2008

Ela não tem nome

Ela abre e fecha as gavetas. Corre para um lado e outro à busca de acessórios. Sua vida depende dessa noite mais uma vez. Ele ligou depois de quatro dias de ausência. Já tinha se consumido em sentimentos de rejeição e desamparo. Quanta nostalgia! A espera valeu a pena. Quando seu celular vibrou o nome dele, seu corpo também. Tentou disfarçar a emoção, se fazendo serena, apertando a garganta. Sua vontade era gritar , mas sufocou e, aceitou o convite para sair, como se aceitasse ir na esquina. Para falar a verdade, ela não passaria mesmo muito da esquina. Ele não a levava a lugares interessantes; apenas a bares e depois viria pra sua casa e se amariam. Ela já sabe que no dia seguinte, com a barba cerrada, ele irá embora dizendo: qualquer hora dessas, eu telefono. Sua alegria transforma-se imediatamente em desespero. Seu amor é masoquista, não sabe se impor, não sabe se respeitar. Quando está só, divaga que tudo será diferente, que não se submeterá a seus caprichos. Seu coração amolece diante da voz sedutora e leve. Aliás, seu ar brejeiro a encanta Parece um homem-criança que toda mulher que aninhar nos braços. Imagina a vida a seu lado. Quando ele parte, ela chora. São 8:10h. Ele disse que chegará às 9:00h. Quanta agonia! Uma doce agonia. A tristeza suspensa até o amanhecer. Agora ela é movida pela esperança, por aquele brinco que o hipnotizará. Aposta tudo no perfume, na calcinha de renda e no creme que hidrata seu corpo. Imagina suas mãos acariciando-a mais tarde. Sente vontade de chorar e sorri. Não quer ficar com uma expressão fechada. Ela precisa estar feliz para encantá-lo. Não pode se dar ao luxo de ser ela mesma. Ele quer apenas saciar seus desejos. Ele, às vezes, é generoso, parece lembrar-se que ela é uma mulher; frágil, encantadora e humana. Faz um carinho em seus cabelos como se estivesse brincando com uma criancinha. Ele chega a sentir um pouco de compaixão porque sabe como ela se esforça em fazê-lo feliz.Mas ele ainda não sabe o que quer. Ele sabe que não irá durar. Ela chega com seu sorriso perfeito, seus saltos altos e diz um oi todo derretido. Nesse momento, ele se emociona ao vê-la. Arranca com o carro e deixa-a na calçada. Por uns segundos ela não sabe o que fazer. Depois, tira os sapatos, volta pra casa e abre um vinho. Em sua solidão, fecha os olhos e, pela primeira vez, entende que os homens ainda têm coração. Ela sorri e se perdoa. Devagar, retira os acessórios. Nada depende dessas coisas, descobre. Todo encontro é acaso. E, se por acaso nos encontrarmos...
Marisa Speranza

3 de mai. de 2008

Síndrome de Mulher


"Quero casar ou ficar solteira?" a pergunta está impregnada, de forma obsessiva, na maioria da cabeça das mulheres. Quem está solteira, quer se casar e quem está casada quer comprar uma escada e, finalmente, trocar a lâmpada. Claro, que não estou referindo-me a todas as mulheres e sim às que se queixam. "meu marido é isso", "meu marido não aquilo...", "meu marido preferiu..." e assim por diante. As solteiras dizem: "queria ter tanto uma família, filhos" - as que não querem dizer que queriam marido, "será que nunca me viram?" "Por que os homens não querem se casar comigo?". Dúvidas cruéis... Como a crônica é para mulheres, não vou dizer que o mesmo acontece com homens. Talvez em outra hora. Por enquanto, adianto que, casada ou solteira, o que vale é a falta. Arranco meus cabelos até porque, além de ser psicoterapeuta, também sou casada. Entendo os dois lados. Não o dos homens, não nessa crônica. Compreendo que a falta é sempre a do desejo. Ou tenho desejo do que não está presente. Confuso? Penso que as expectativas são muitas e, na maioria das vezes, insatisfeitas. Por quê? Eva pergunta a Adão se ele não poderia ter se controlado. Ela é uma mocinha que, acreditando no "paraíso" foi traída por uma serpente. Sendo assim, a pergunta fica para os psicanalistas: homens têm falo e as serpentes têm forma fálica. Conclusão: quem caiu na lábia de quem? Voltando às idéias para não me perder, para cada mulher insatisfeita, há um homem muito bem humorado, segundo a perspectiva dele, que nunca reclama, gosta de coisas simples, não gosta de shopping e, além do mais, hoje em dia é bom pai. Pega até os filhos na escola. E, quando cozinham? Tornam-se perfeitos. As mulheres executivas executam seu falatório infernal e gritam que querem que homens as resgatem, seja lá da "solteirice", seja lá do "abandono". Essa sim, é a verdadeira guerra dos sexos.Penso que, como psicoterapeuta e mulher, a solução está no diálogo. Então vamos dialogar até o dia do juízo final. As mulheres dizem o que pensam, esvaziam sua histeria, sentem-se culpadas e, têm o bom senso de serem boas mães, inclusive de seus maridos. Para quem ainda não tem, é questão de tempo. Mulheres e homens finalmente estão dialogando. Elas falam e eles escutam ou então ambos berram. Passada a semana da lua-de- mel, algo acontece. Eles se encontram repetitivos: ela fala e ele escuta. Se ele falar, é porque não está entendendo. Pensa que deve ser alguma partida de futebol e que a mulher não pode marcar o gol. Quanto está o jogo? Diálogo parece empate. Não vale. Alguém precisa ganhar. Mesmo que o jogo seja "sujo". As mulheres fazem beicinho; os homens fazem caras de bravos e, para fazerem as pazes, resolvem então não dialogar. Decidem fazer muito sexo para apaziguar os ânimos. Ela compra perfumes novos, muda o cabelo e pinta suas unhas de vermelho. Chega em casa, pensando na grande noite, na tentativa de recuperar a lua-de-mel. Ao chegar na casa, ele não nota seu cabelo. Isso é apenas um detalhe. Ela espicha suas lindas mãos, ainda frescas e ele pergunta: "Desde quando você pinta suas unhas de vermelho? Parece que você as esmagou na porta" Derrotada, ela começa a gritar: "Você não tem nenhuma sensibilidade, cortei meus cabelos, pintei minhas unhas, comprei perfume e você nem me vê". Ele, com cara de tonto, sem culpa alguma porque não viu nada mesmo, diz sem graça: "Ah é... você cortou o cabelo. Está bonitinha". É o início do caos. Ele perdeu o fio da meada. Na falta do que falar, ele começa a gritar com ela porque não viu, mas pegou a calça no tintureiro e ainda fez compras. Ela sente-se culpada, afinal ele é muito bom e ela é que não tem nenhuma sensibilidade. A relação tornou-se um pouco, muito ou demais perversa. Qual estágio você se encontra? Quer morrer? Ainda não. Pensa em soluções mais honrosas. Quais? Ela pensa que vai se vingar, arrumar um outro homem que a veja. Ela lhe diz isso e ele, com um medo danado que ela o faça, faz cara de paisagem, "tô nem aí" e diz: "Então vai, arruma outro que ature esse seu maravilhoso humor". Ela bate a porta e fica arrasada porque ele não vem para fazer as pazes e dizer o quanto ela é linda. Fiquemos assim, por enquanto. As solteiras dizem: "Mas, elas puderam se casar e eu não". Existe alguma coisa no nosso imaginário que diz que a vida sempre será maravilhosa já que você quis tanto. Desde quando a vida é bela todos os dias? Às vezes, estou muito triste, às vezes muito alegre e, às vezes, estou no fluxo de alguma coisa que ainda não sei o que é. De qualquer forma, dialogar, fazer sexo, gritar, brincar e brigar fazem parte da vida de todos nós. Na luta por uma vida melhor, o que vale é a luta. Independente se ela corta o cabelo e pinta as unhas, o beijo selado e o encontro de peles, se faz presente quando pessoas se gostam de forma verdadeira, não tão em paz. Verdadeira, inteira e, sempre, na promessa bem intencionada de que "amanhã" irá encontrar a alegria de ser vista e reconhecida, seja solteira ou casada. As doenças da solidão acontecem quando não se é mais capaz de sonhar ou de buscar a realização dos sonhos. Não se trata de felicidade eterna como nos contos de fadas e sim, da lucidez de manter-se atenta ao outro que lhe serve de espelho para suas ambições. Amor é acalanto, amizade e paixão na dose certa para ser possível viver as diferenças e o verdadeiro encontro. A nudez d'alma é a única possibilidade de se fazer sentir e apropriar-se de si através do outro. Pode-se sorrir e se saber que, independente se ele viu ou não naquele dia seus cabelos cortados, sentir-se bonita e ser bela no olhar da pessoa amada é antes de tudo, poder ser gentil consigo mesma.
Marisa Speranza

29 de fev. de 2008

Em vão

Ninguém sabe ao certo o que lhe aconteceu. Já se passou algum tempo e ela não aparece na casa. Saiu de repente, sem olhar para trás. Parece que se encontra em outro mundo, feliz e cercada de boas pessoas. Quisera um dia, desfazer as malas e ficar para sempre. Duvidava se teria raízes. A necessidade de mudança era tão vital como a água e alimento. Sei de alguma coisa porque li suas cartas e sempre senti que ela não ficaria, apesar de aparentar calma, como se sentisse acolhida. Mas os olhos transmitiam uma inquietude, uma busca como se estivesse na grande África e a qualquer momento pudesse ser presa de algum predador. Eu a observava, seus gestos gentis, seu andar firme e sedutor. Da janela branca, via os lírios e as rosas, tão contrastantes. A paisagem era verde e azul, próprias da natureza. A cotovia cantava pela manhã e ela acordava, se espreguiçava e mordia uma fruta. Mais um dia se iniciava e sua ânsia de viver era grande. Sentava-se na varanda e escrevia horas a fio. Seu semblante era de quem devaneava outras miragens. Sua coxa, de fora, ao vento, era firme. Seu robe branco contrastava-se com a pele macia e morena. Possuía uma sensualidade que ultrapassava os muros invisíveis. Quando eu a encarava, sabia que partiria. Ela sabia que eu sabia e não conseguíamos falar com palavras. Um dia, acordei e não senti seu perfume. Procurei em vão,encontrei apenas cartas e algumas jóias. Sentei-me perto da lareira sem calor e chorei. Ela partiu porque precisava ser livre.

Marisa Speranza