27 de fev. de 2009

Encanto de mundo

O dia começa. Ela se levanta da cama, ainda reticente. Não sabe ainda o que fará. Gostaria de não ter que olhar a agenda, pois hoje é sexta-feira. Seus sonhos foram muito loucos, psicodélicos. Esteve em vários lugares e não conhecia ninguém. Acordou com suas pernas embrulhadas nos lencóis macios. Ainda estava exausta. Vai para a cozinha prá fazer o café. Quer ele forte. Precisa do cigarro e não quer esperar a água ferver. Dá uma longa baforada e, sente na pele, o sol quente. Está perto da janela olhando para alguns ramos verdes de plantas. Dois passarinhos passam por ela, velozes. Ela sorri e pensa que gostaria de voar. Sair por aí. A água ferveu. Beberica devagar o liquido quente. Vai para a sala pensando em como será seu dia: livro, caminhada, cinema, amigos, filminho em casa, praia, transa. Ela faz uma longa pausa e sabe que apenas um banho vai tirá-la dessa inércia. Uma ducha fria, implacável, arrepiante. Se veste da melhor maneira possível. Um vestido simples, uma sandália prática. Pega as chaves do carro, ainda com os cabelos molhados e sai. O trânsito colabora com sua lentidão. Resolve ir à Lagoa ver gente e cachorros. Várias raças de ambos. Observa que cada um, a seu modo, é tão singular. Salta do carro e vai a um quiosque. Pede um suco de laranja e, ainda observando, se deleita. Pessoas vão e vêm, passam por ela e, parecem não notá-la. Mas, ela continua atenta. Casais brigam, casais se beijam, caminham de mãos dadas. Alguns, têm uma solidão agoniante; é como se tivessem em outro lugar. Algumas estão sozinhas, fazem sua caminhada, de um jeito estranho, outras de um jeito harmonioso. As crianças se divertem. Vivem em seu mundo próprio, repleto de vida e beleza. Alguns homens mais velhos, fazem de tudo para se tornarem mais jovens. Senhoras de cabelos grisalhos, caminham vagarosamente. Sabem que o tempo agora é mais curto e parecem apreciá-lo mais. Os cachorros treinados, não ousam ir além. Os bagunceiros, latem, balançam seus rabos, correm e se enroscam nas próprias coleiras. O céu está azul, o sol brilha e as barraquinhas de sorvete não param de vender. Coisa linda de se ver. Sai do quiosque, dá uma caminhada serena no compasso das senhoras e aprecia também. Gosta de sentir o calor sobre a pele. Fica por ali umas duas horas. Pega seu carro, volta prá casa e come uma lazanha comprada no mercado; adora quatro-queijos. Toma outro banho, veste outro vestido, liga para algumas amigas e todas já têm seu programa. Sai novamente sozinha. Vai para o shopping, mas não quer comprar nada. Senta-se em outro quisque e observa. Agora as pessoas são diferentes. Não têm o ar da inocência. A maioria, só pensa em compras. Está no olhar frenético, na forma de andarem e se esbarrarem. São muito estímulos, são muitas propagandas de tv e elas pensam que felicidade é ter esse montão de coisas. Não aguenta fazer mais parte daquela conspiração e sai do lugar horroroso. Pega seu carro e retorna prá casa. Havia uma mensagem em sua secretária eletrônica. Ela escuta, ri e resolve cair na poltrona. Seus devaneios e lembranças ainda são muito fortes. Mas, não pode mais ficar com aquele homem. Fazi-a sofrer com seu egoísmo e seu jeito narcísico. Para tudo existe um preço a pagar. Sente-se encurralada em seu próprio corpo, não tem como sair dele e nem quer. Precisa apenas que o mundo seja mais encantador.
Marisa Speranza