10 de abr. de 2014

Mulheres de Baco




Quero pintar a poesia de meu amanhã; fugaz, arrebatador. Música de meus sentidos. Dançar ao pé do abismo. Vertigem, solidão e imensidão. Quantas incertezas no improviso.
Criatividade. Lançar-me ao vazio, encontrar o acaso. Surfar nos sonhos e me deixar levar por águas mornas e espumosas. Puro erotismo.
Marisa Speranza




















Abrace e embale a si mesmo antes de tocar o outro.






Sonho sem sono

Quatro horas da manhã
Inquieta, intrigada, em expectativa. Foliã de minha casa, agito o que me envolve e danço com o sono desperto.
Preciso fazer calar os sonhos que ainda não adormeceram.
Marisa Speranza

9 de abr. de 2014

Felicidade

 Hoje, depois de dois anos, consegui desbloquear meu blog. Os motivos não ficaram claros.
 Faz parte do passado. Espero, em breve, dar continuidade. Por ora, estou envolta em flores.




7 de ago. de 2012

Delírio de Joana



    Ressentimento é ficar sentindo há muitas léguas. Tudo se transforma em apertos e obsessões. Joana precisa sair do lugar comum, da moral que se estabeleceu a partir da vingança.
    Ser mulher é se machucar com excesso de expectativas. Romântica, feroz em sua performance sexual e o espelho grita.
    Todo começo é de sedução, de olhares, de decotes indecorosos. Mulher que se torna objeto; ela quer o corpo perfeito, nos gestos gentis, faz sua mágica com maestria. 
    Em seus pensamentos mais obscuros, velados a luz de velas, declara para si mesma que quer aquele homem para si. Mas, ele não a quer; só para se divertir no mais carnal de corpos entrelaçados.
    Ele some. Ela liga, liga novamente. Ele está no banho, jantando ou ocupado. A angústia cresce. Ela quer o homem de qualquer maneira. Seu cheiro, sua pele, suas mãos, seu pênis falam através de seu corpo saudoso, ansioso por mais mil vezes.
    Joana devaneou. Se entregou à imaginação de um final feliz. Ledo engano.
    Tudo pulsa em seu ser. Amor e ódio, fruto da rejeição, se misturam na ideia  frenética de possui-lo. Afinal de contas, ela o comeu. Ela tinha o vertiginoso controle do gozo dele. E ele não atende o telefone. Ele não a quis mais. Jogou-a fora como papel.
    Ressentimento, vergonha, frustração. Diz para si mesma que ficará isolada, que os homens não prestam, que a vida é uma merda. Não alcança seu vazio, projeta suas carências na maior cara de pau. Sente-se enganada, ludibriada. Passa por momentos de melancolia e histeria. Quer se valorizar. O que afinal isso representa? Já não sabe mais; é de um outro tempo. E o tempo se esgotou.
    Marisa Speranza

25 de mar. de 2012

Fuso Horário




  Sem acreditar na viagem que iria fazer para países estrangeiros, deu-se conta que já estava na viagem da vida. Levou um susto porque estava à serviço das agências de turismo e da moda que afirmavam que tinha que conhecer Paris, Londres e Espanha. Não está com a mínima vontade de ficar à mercê de fusos horários,dos corre-corres, das bagagens, da poltrona da classe econômica. Gosta mesmo de vivenciar silêncios, pássaros, cores e amores. Gosta de sua rua, diferente todos os dias, das pessoas conhecidas que sempre tem estórias diferentes para contar. Aprecia cozinhar, temperos e vinhos. Sua fisionomia se modifica aos sabores. Gosta das idéias, dos pêlos eriçados e excitados pelos simples pensamentos. O abraço do seu homem, seu beijo ardente já a leva para lugares distantes. Sua boca se nutre de fogos de artifícios, árvores de Natal e cheiro de neve. Sua púbis, seu lugar de acolhimento a faz estremecer pelo tato das mãos que a gozam. Pensa nas ausências das coisas rotineiras, em seu vazio e da sensação de não ser e nem precisar chegar. Entende que a breve vida já é suficiente, com muitas aventuras e, nos intervalos e na calmaria, sente que o mundo inteiro brilha. Não quer a vaidade e nem as palavras ditas em outras línguas que apenas afastam. Está longe de querer fotos digitalizadas que sempre lhe dão a impressão que as pessoas estão mais preocupadas em dizer “eu estive aqui” do que realmente vivenciar. Irá, um dia, a outros lugares, ultrapassar fronteiras, se puder levar poucas roupas, sem tempo, no seu tempo e sem máquinas fotográficas.
Marisa Speranza

2 de set. de 2011

Saudades

Hoje tomo um golinho de saudades. Acordo na urgência de rever entes queridos que já se foram. Doce despedida. Lembro-me bebê, criança, adolescente tocando e sendo tocada por outros seres. Como somos marcados! Lembranças felizes e , outras, dolorosas. Minha jornada, meus caminhos e descaminhos; sempre alguém comigo e me espreitando ou se afastando até eu não mais poder ver. Morte também são os rumos diferentes que cada um segue. Morte sou eu que me esforço em me ver em tempos antigos. Quantas vezes renasci? Se estou no devir, perco a essência e me transformo em história. Na verdade, tenho medo de ser esquecida.
Marisa Speranza

25 de jun. de 2011

Ela

Ela se nutria de dor. Sentada a seu lado, fazia-lhe carinho porque seu silêncio era perturbador. Estávamos no bar barulhento e nada era mais excessivo do que seu olhar. Tudo que pedia era uma chance de viver. Abriu mão por conta do marido, dos filhos e de algo não confessado. Estava como zumbi enquanto a vida pulsava. Queria estender-lhe a mão, conversar, dizer o quanto ela é capaz. Fiquei pensando o quanto as pessoas abrem mão por conta de coisas e,  depois de um tempo, percebe-se sem sentido, sem valor e sem reconhecimento. Ficou presa, acomodada, sustentada e sem pés, com o coração despedaçado, com uma ira muda. Pedi sopa, bebemos. Seus olhos continuavam marejados de lágrimas. Mas, foi o único instante  que ela se deu uma trégua. Acabou rápido, voltou à terra desconhecida por mim. Ela não quis compartilhar , não quis se ligar. Talvez a verdade fosse dura demais e talvez pudesse quebrá-la. Pessoa íntegra, amarrada a valores excessivamente cristãos, a uma moral estagnadora. Já não questiona, já aceitou abrir mão. Chego em minha casa com uma sensação pesada, de impotência.Quero acreditar que de alguma forma a toquei, que ela possa refletir e ir em direção a algo que a faça agir e ser mais feliz. Eu sempre quero acreditar na mudança, nos deslocamentos, nas sutilezas, nos encontros
Marisa Speranza

26 de fev. de 2011

As amizades

  Hoje é dia de aparecer. Não sei qual foi o ímpeto. Dia complicado com muitos afazeres. Nem parece que é sábado. Daqui a pouco verei um filme acompanhada de um bom vinho. Estava pensando nas pessoas que passam em nossas vidas, independente se são boas ou não. Aprendo cada vez mais que confiança é fundamental,mas por outro lado, todos cometemos alguns erros. Então o que será que move as amizades? Uma certa utilidade com afeição? No príncipio, talvez. Mas, tem algo que toca um ponto de nosso ser que nos deixa menos formal, menos na defensiva, com um gosto bom na boca. Nem sempre quero ver meus amigos. São dias que não quero a repetição. Quero algo inaugural, mesmo com o mesmo tom de pele e olhos. As coisas só acontecem nos encontros e não dá para idealizar, querer enquadrar o que sentimos e cumprir todas as expectativas. Espera-se sempre muito de um amigo. Eu já não espero tanto; apenas ser tocada quando for possível. As pessoas criam regras que nem sempre podemos cumprir e, com isso, estagnamos. Contudo, acontece algo comigo peculiar. Não quero mais algumas pessoas. Não que elas sejam más ou que tenham defeitos que eu também não os possua. É quando me dou conta que preciso fazer malabarismos porque não posso deixar fluir o que sinto, o que penso. Percebo um peso, uma certa sensação de melancolia, de algo que um dia foi e que não é mais possível. É maravilhoso também quando podemos dizer adeus, irmos em novas direções. Simplesmente porque a fonte secou; nada mais encanta. Apenas clichês. O cuidado com as palavras é grande porque elas querem me analisar e sem o meu consentimento. Saber que posso ir embora e ficar é muito bom, porque independente da ausência ou da presença, já pude aprender, já fui marcada. Todas as pessoas que passaram  já me afetaram e isso é lindo. Sou grata às amizades que nada me cobram porque sabem que gosto de voar, de estar em céus ainda não conquistados
    Marisa Speranza

1 de set. de 2010

A Viagem de Clara

Clara chegou no domingo das férias de inverno. Foram vinte dias longe de casa. Esparramou-se na cama ainda com as malas sob os pés. Estava, aos poucos, se familiarizando com os cheiros . O travesseiro branco  lhe dizia que estava no lugar certo. Haveria de colocar os papéis em dia, as cartas, os e-mails e as contas a pagar. Tudo, em breve, voltaria ao normal. Por enquanto, sentia a saudade daquele louco amor que deixara  para  trás. Não teriam mais chances, seus universos eram completamente diferentes e suas vidas não estavam arranjadas de forma que pudessem  dar vazão aquela paixão que lhes arrebatou. Aos poucos, tomou coragem e meteu-se numa ducha fria e chorou. Há muito estava sozinha e foi por acaso que eles se encontraram, apesar dos livros e CDs sempre serem um chamariz. Começaram a conversa que evoluiu para um café. Depois disso, se perderam um nos braços do outro. Nunca esteve tão apaixonada. Pensava em largar tudo e ficar ali para sempre, enroscada no corpo do homem. Fizeram amor, riram, se alimentaram de beijos e salivas, saiam, jantavam, transavam, dormiam. Estava distante das coisas mornas que norteavam sua vida. Estava feliz! Trouxe na bagagem recordações desses dias. Fotos, flores secas e um pijama dele com seu perfume. No início, parecia que tudo seria possível, fizeram planos e sorriam diante de uma nova perspectiva. Os dias frios foram passando e, quando chegava a hora de ter que voltar, a tristeza tomou conta do espaço. Começaram a falar sério, com os pés no chão. Com o coração arrancado do peito, teve que abrir mão. Agora em seu quarto, sorri porque se acalmou. Pensou que todos os encontros começam assim e depois se esvaziam com  o tempo. Não conhecia aquele homem, apenas experimentou a idéia do que ela queria que ele fosse. Não poderia cair na armadilha do amor eterno, como se não houvesse  amanhã, como se as coisas não mudassem o tempo todo. Reagiu a seu delírio e agora tem certeza de que o que ela encontrou não estava nele. Apenas que ela foi capaz de se doar porque assim ela o desejava. Poderia encontrar outro amor no mundo e encaixar o seu desejo no dele, mais possível e menos embriagador.
Marisa Speranza

29 de ago. de 2010

Meu jeito/ Saudades do Elvis

Pessoas Quadradas


Existem pessoas que vivem dentro de seus quadrados. Não conseguem ir além dos contornos e aprisionam quem, por acaso ou por inocência, entrou para lhes dar alimento
Por que complicar tanto a vida, fazendo de conta que tudo tem lógica. A vida é tão intensa e cheia de aventuras. E, elas insistem em seus temores e crenças. Agarram-se aos seus botes e jamais se lançam ao mar de ondas espumantes. Não se lançam ao erotismo. insistem em manter as fisionomias fechadas e os corpos encapsulados.As costas eretas desfilam superficialmente sem se aprofundarem. Tornaram-se encouraçadas, sem emoção e sem pele. A inteligência  é um banco de dados. Não sabem o que é conversa fiada e não tocam as diferenças que taz com que o universo humano seja tão rico. São pessoas que não conseguem existir.Não sabem dançar.Quero chamá-las, gritar seus nomes, estender minhas mãos e  ajudá-las a terem mais coragem. Ultrapassar é preciso para termos mais felicidade. Não ousam perguntar porque querem controlar as respostas.Viver não requer explicações. Precisa- se de habilidade que só se adquire nos atalhos das rotas pré-estabelecidas. Machucar os pés descalços nas pedras e arranhar os joelhos na areia. Tudo faz parte de um todo que pulsa porque vive. Precisam sair na chuva e se molharem. Precisam relaxar. Entrega é como a flor que se abre para receber o que vem da natureza porque a ela pertence. Não compreendo o excesso de opiniões irrefutáveis.Elas me dão tédio. São tão previsíveis. Quero entrar nessas caixas, bagunçar suas gavetas, despentear seus cabelos. Gostaria de ver mais emoção nos rostos endurecidos, mas que não fossem apenas de raiva. Gostaria de ouvi-las dizer: me pega!!!

Marisa Speranza

23 de ago. de 2010

Fatti Cosi - Um presente dos deuses

http://www.youtube.com/watch?v=CSdE0Sm_wRU


“NÓS SOMOS ASSIM!”
Nós, na escola escrevíamos poesias.
Aos sábados esquiávamos junto a ela!
Mas, não íamos alem de um beijo, nunca se ia!
Nós com o coração sempre em guerra, em qualquer idade!
Nós somos como todos os primeiros amores,
Mentirosos até chegarmos a ser sinceros!
Nós somos assim!

Crescemos vendo os filmes americanos!
O tempo nunca nos fez mudar!
Seguimos a vida escrevendo canções para vocês que estão sempre enamorados!
Nós que, talvez, sejamos os últimos cowboys!
Um uísque duplo não nos embriaga!
Se a cabeça roda é por amor.
Nós somos assim!

Nós trocamos o dia pela noite!
Temos 9 vidas como os gatos!
Até paramos de fumar, mas não perdemos o vicio de sonhar!

Melancolia às vezes você se enamora de mim!
Mas, to fora!
Aperto firme o punho e digo não!
Vai embora temos ainda vontade de festejar!
Nós procuramos alegria!
Nós somos assim!

Nós jovens eternamente enamorados somos assim!
De jeans ou vestidos de gala!
Com dinheiro no bolso ou sem nenhum trocado,
Ciganos, filósofos e românticos,
No fundo somos todos parecidos!

Melancolia às vezes você se enamora de mim!
Mas, to fora!
Aperto firme o punho e digo não!
Vai embora amanhã te diremos sim!
Eis aí outra mentira!
Nós somos assim!


21 de ago. de 2010

Um Corpo

   Hoje foi incrível. Dia cheio e potente. Bons encontros em um só corpo. Agenciamentos gerando devires e acontecimentos. Tudo revigorante. Estava cansada e, aos poucos, meu peito foi se abrindo e meu olhar ficou mais atento. As pessoas eram cores, formavam  um lindo mosaico. Me faz tão bem ser deslocada de lugar, uma temporária desterritorialização. Linhas de fugas iam se intercalando e o sol brilhava. Dentro de mim, ao mesmo tempo, surgiam novas configurações, sem tempo para definição. Não era algo da ordem do explicado e sim dos afetos. Eram muitos "eus" e algum deles chegou e depois saiu novamente. Era algo além e alegre. Uma brincadeira quando se é criança; talvez só elas sejam capazes com tanta naturalidade, antes de serem formatadas e tornaram-se prisioneiras de identidades fixas, status quo e das fantasias que tomam o lugar da experimentação. Como viver é bom
   Marisa Speranza

20 de ago. de 2010

Vida

Quero saber de mais um dia. Quero estar em mais uma vida. Aqui mesmo, com mais ânsia. Viver é atravessar as distâncias entre mim e o outro. É respirar fundo e ultrapassar obstáculos. Viver também é ter prudência. Todos os meus cantinhos existentes não se cansam de quererem ir além, enfim, de querer mais vida.
Marisa Speranza

17 de ago. de 2010

Mudança na tensão

Mais um aniversário, mais um ciclo que se fecha para impulsionar outro. Minha festa foi contagiante. Meus amigos selecionados com o filtro da afeição e da alegria genuinas. Estou feliz, com vontade de reencontar pessoas antigas que andavam sumidas e que ainda me fazem bem. Vontade de construir novos caminhos, abrir espaços para o novo e não deixar coisas velhas, obsoletas me contaminarem. Ando cheia de pessoas super francas, aquelas que têm uma necessidade exorbitante de se exibirem. Franqueza me lembra convicção e, prefiro, atualmente, a gentileza. Quero exercer mais o encantamento, deixar prá lá o que não quer ser mudado; cada um deve conhecer os limites de seu corpo e de seus desejos. Excesso de qualquer coisa, me deixa zonza. Também não quero coisas equilibradas, se isso existe. Talvez queira ouvir, tocar coisas e pessoas que saibam dançar com a música da vida. Tenho exercitado a arte de evitar pessoas, essas que querem me deixar pesada, sem graça, constrangida. Não quero mais enfrentá-las, a não ser que elas queiram crescer na tensão da corda bamba que são feitos os encontros. Nesse ponto, surge algo bonito, inovador, que se celebra por si só porque pôde gerar mudanças.
Marisa Speranza

21 de jun. de 2010

O que me nutre

Andava sumida porque algo faltava. Ainda falta, tentando, de alguma forma, sair. Tudo na vida parece ser de repente e já sei que passado e futuro não existem. Só memórias que podem nos enganar. Meu cérebro está cheio de dados. A boa notícia é que ando exercendo mais minha presença, minhas relações com o outro e a natureza. Sou fruto de cultura, minha interioridade está cheia e eu cheia disso tudo.Como fico feliz em respirar, me sentir e estar. Já compreendi que estou em processo, não sou estagnada e já aceito a impermanência das coisas. Já abri o livro do perspectivismo e sinto que estou mais solta. Sem muita convicção, sem deus e sem pai. Que alívio não ter que lidar com coisas que não entendo, que querem fazer parte de mim a todo custo. Rejeito a força que tenta me moldar. Deixe eu sentir as coisas do meu jeito tão singular. Não quero mais ler jornais e nem livros que me esvaziam. Não quero mais estar com pessoas entediadas, rígidas e paralisantes. Quero compartilhar minhas partes com outras partes diferentes de mim, que somem e não diminuam. Gosto mesmo é de alegria a meu redor e, ela, pode até ser silenciosa.
Marisa Speranza

1 de jul. de 2009

Dia de hoje

Novamente estou mudando de consultório e, é claro, com uma tosse danada. Detesto resolver mil coisas sob pressão. Gosto ultimamente de mais calmaria. Mas gosto do cheiro de coisas novas, de movimentos. Claro que no início sinto falta da velha rotina, ainda mais quando gosto das pessoas que atualmente estão ao meu lado. Penso que não as deixarei e isso me conforta. Os laços afetivos permanecem e, ao invés de um lugar, penso que teremos dois e me dá sensação de expansão. Aqui em casa as coisas estão mornas, chatas. Minha filha sempre com cara de má, de mau com a vida. Difícil alcançá-la. A idade de dezenove anos é sempre perturbadora. Muitos caminhos a seguir e o medo inconsciente de um futuro que ainda não chegou. Sobram as ousadias e o desejo de se confrontar que, no momento, está mais direcionado ao pai, que estipula os horários de chegadas em casa, limites mais claros. Às vezes, quero me enfiar em algum lugar e ficar bem quieta, sem ouvir vozes e resmungos. Vida que passa sozinha. Acho que somos sós, apesar de tantos que nos rodeiam. Urge uma vontade louca de escutar sons da natureza, dos animais porque não precisaria respondê-los. Tenho que resolver tantas coisas. Penso que todos da vida moderna sentem um pouco desse desespero. Que vontade de me desligar de tantos afazeres, de tantos deverias e ir mais fundo nas minhas leituras, que me dão tanto prazer. Entro e saio de casa, vou e volto. Parece que estou em ondas não tão serenas no momento. Preciso de ar fresco, de escrever menos em minha agenda. Deixar as coisas fluirem, com menos responsabilidades. Vida de adulto também é chata. Podemos ter mais dinheiro, status e daí? Falta um "q" de brincadeira, de me deixar levar por mais serenidade. Não penso que o inferno são apenas os outros, apesar de me atrapalharem um bocado. E tem a gripe, a tosse nervosa ou alérgica. Não quero ir ao médico, ficar em recepção com um montão de pessoas doentes. Preciso de amplidão, de espaço externo e interno. Parar de ouvir baboseiras e saber me retirar de mansinho. Penso que no consultório novo estarei mais sossegada, me gerindo sem maiores estardalhaços. Por hoje é só; acordei mais cedo, que detesto. Preciso ir à Light resolver pendências. Ufa! que saco! Mas lá vou eu tomar um banho quente, acariciador, deixar a água bater em minhas costas e curtir o momento que antecede o dia. Penso, que muitas coisas acontecerão e quero aproveitar os momentos que me nutrem. Lá vou eu!
Marisa Speranza

30 de mai. de 2009

Para o meu filho

Te amo com todo o meu coração. Te amo com toda a minha vivacidade. Você é um presente dos deuses, intenso e que me faz feliz. Você é único. A vida lhe pertence e eu sou de você. Caminho. Você é uma bela estrada. Encanto. Verdadeiro em seu olhar e expressão. Laço de cor azul, de menino que atravessou meu corpo e embala meu ser. Filho, pai, irmão. Sua pele quente transmite o calor necessário à casa. Você é um pedaço do universo, do qual ele depende. Sem você, o sol não ilumina, a lua se apaga e as ruas ficam desertas. Você é um sonho que pôde se realizar. Te amo!
Marisa Speranza

29 de mai. de 2009

Para a minha filha

Te amo com toda a minha sensibilidade.Te amo com toda a força do meu coração; ele sempre baterá por você.Te amo,mesmo quando você está fora da cidade.Te amo mesmo quando nos desencontramos.Te amo desde as vísceras, no leite e no seio.Te amo porque cuidei.Te amo porque me apaixonei.Lebrinha e gatinha, que no doce sonho, eu cantava para te ninar.No meu colo, longe você foi.No meu colo você sempre ficará. Amor de mãe, amor de filha, às vezes confuso, às vezes em excesso.Mas, nunca de menos porque você é única. Nosso amor, meu amor, nunca termina. A nossa história resistirá às estrelas.Mesmo quando eu me for, você olhará para cima e, quando me chamar, eu virei, embalada em seus mais sutis sonhos e devaneios.
Marisa Speranza

13 de mai. de 2009

Menopausa - Maturidade e Transformação

Que tormento é esse que faz gritar o meu corpo? Estou chegando aos cinqüenta anos e tudo que sinto me causa estranheza. Seria o climatério? Ondas de calor, como se tivesse um fogo ardendo de dentro para fora. São os tais dos fogachos.
O que está acontecendo é uma diminuição funcional de meus ovários. Quando chega à noite, tudo parece aumentar. Fico ruborizada à toa, como se estivesse envergonhada. Quando chegar a menopausa, a última menstruação, a coisa deve piorar. A irritação será frequente, a libido parece desaparecer. Vou ficar sem tesão? E meu parceiro, como vai lidar com todas as transformações? Minha pele vai ficar sem viço, ficarei sem lubrificação e mais rabugenta. Ficarei com aquele ar deprimido, de que já morri e não sabia?
A vida, às vezes, é bastante dura. E eu havia pensado que, enfim, nunca mais menstruaria e que tudo seria resolvido. Questões médicas surgem: deverei ou não fazer reposição hormonal. Alguns são a favor e outros não. Quantas dúvidas, até porque alguns dizem que reposição hormonal pode causar câncer de mama. Claro que na época certa, conversarei com o meu médico a respeito.
De qualquer forma, acredito, particularmente, que a menopausa pode ser resolvida de outras maneiras: com boa alimentação, com o corpo em dança, feliz. Trocando experiências com outras mulheres, podemos vir a descobrir que as causas desses desconfortos podem ser potencializadas porque, na verdade, não me sinto de bem com a vida, comigo mesma, com meu parceiro, com minha vida social e profissional. Podemos ser “inescrupulosas” a ponto de nos escondermos nos sintomas da menopausa, assim como algumas mulheres o fazem com a TPM. Não quero dizer que não existam, mas certas idéias pré-concebidas fazem com que não entremos em contato com as verdadeiras dores e o corpo é quem paga. Claro que depois que "descemos a ladeira", alguns cuidados são essenciais.
Com a perda dos hormônios, todo cuidado é pouco com a saúde, problemas de osteoporose, cardiovasculares e de pressão arterial são frequentes nessa fase. Devemos fazer exames rotineiramente, sem, contudo, transformar a vida numa ditadura médica e farmacológica. Se quase arrancamos os cabelos por conta de mudanças de humor, talvez pequenos detalhes, que nos valorizem, possam aumentar a auto-estima. Temos que re-viver, passar pela idade sem ressentimentos. Aprendemos que a mulher bonita não pode ser menos que as capas de revista. Mas, o envelhecimento natural pode ser belo, se formos capazes de nos potencializarmos e soubermos aproveitar o talento que temos, e que muitas vezes foi esquecido por conta de tantos outros deveres.
Saber envelhecer é arte. Nela reside a sabedoria que foi capaz de passar pelo tempo e não se deixou sucumbir. Se temos projetos, alegria, força, amor à vida, aos bons encontros, nosso corpo se reconfigura. A postura fica mais ereta, os olhos chegam ao alto.
Fico pensando que há muitos séculos “sofremos” o lugar de ser mulher. Como se tudo coubesse em nosso ser: ser mãe, trabalhar fora, apaziguar desentendimentos, ser conselheira, sermos “enxutas”, fazer amor sem vontade, escutar e até obedecer. Supervalorizamos isso e esquecemos, na verdade, de pequenas sutilezas e gentilezas com nós próprias. Cheguei até aqui com a vontade acirrada de podermos repensar esse lugar.
Agora? Mas, já estou com cinquenta, algumas dirão. Não importa! A verdade é que temos que viver um dia de cada vez e, se pudermos escutar o nosso coração, sentir melhor o corpo com suas necessidades, não haverá menopausa que nos enfie num buraco negro. O que haverá é um espaço maior dentro de nós, uma redescoberta de uma mulher mais sábia, que fez de seu próprio corpo uma nova moradia. Maior relaxamento e gozo estarão presentes, porque não teremos a pressa das frenéticas. Teremos o saber e a afirmação pela vida.
Marisa Speranza

24 de mar. de 2009

Tempo de futuro

Saí de mansinho. Não sabia mais o que dizer. São tantas inquietudes que me atormentam, que sinto que a cabeça vai explodir. Preciso de ar e a culpa não é de ninguém. Existe um mal estar de mulher em mim. São as perfeições em contraste com as imperfeições. Sinto-me clandestina em uma cidade desconhecida, nua. Corre-se o boato que a felicidade existe. Corre-se em vão em direção ao que já é outra coisa. Tudo embrulha no estômago. São necessidades diversas, diferentes, antagônicas e eu no meio do tufão. Remexo-me na cadeira, agora na varanda. Antes estava também sozinha como eu. Procuro folhas prá escrever o que está em meu coração. Que chatice! Olhos lacrimejam saudades de um passado. Faltas de odores e tatos. Fecho a boca prá não sentir o gosto da marmelada. Era criança e nem gostava muito. Fecho os punhos para não poder dar as mãos ao invisível. Sinto uma brisa que me leva para um lugar distante, um prédio, com nomes de crianças e adultos. Ainda passo por ele, pequeno, agora. Lembro das brincadeiras, dos tropeços, das quedas de bicicleta e dos amores escondidos. Quero sair desse embalo infantil. Minha mãe me cuidava, meus avós também. Tinham alguns martírios, delicados e outros não. De todas as brincadeiras, a de maior sedução era pular para o futuro. O que seríamos, para onde iríamos? Naquela época, era tudo ficção; ninguém tinha noção dos lugares que visitariam, das pessoas que abandonariam, apesar das promessas de amizades eternas, feitas com sangue. E, o tempo passou e o futuro é agora. Nesse instante, vivencio os cheiros da panela, de carne moída. O cão late, mais um em minha vida. Encontro-me na corda estendida, perambulando. Meu desejo é dançar, mas o precipício pode fazer com que eu tenha vertigem e caia. Já não tenho a leveza de outrora. Minha psique está mais exigente, mais pesada. Sou mais perspicaz e tudo me diz algo. Parecem fantasmas vivos a me rodearem cantarolando algo das profundezas. Meus sonhos são coloridos, intensos e difíceis de interpretação; às vezes levo dias para decifrá-los. É um alívio existir ainda. As sombras que me acompanham são reminiscências de desejos ocultos. Tudo flui e eu queria ficar aqui parada apenas. Sentindo o ar, meu hálito, meus cabelos nas costas, o calor do quarto. Saíra da varanda há muitos séculos. Tudo se passa em segundos. Meus pensamentos percorrem estórias vividas, entoadas e devaneadas. Como conheci gente! De toda espécie, tantas personalidades diferentes. Umas não valeram a pena; outras, deixaram suas marcam que, apesar da distância, ainda fazem parte de mim, do meu eu, do meu ninguém. Faço um recesso para ir longe ainda mais. Quero saber o que ainda está por vir. As mesmas coisas tão diferentes, as mesmas coisas tão entediantes. Casa-trabalho-Família-Amigos. Onde está o que ainda não vivi? O telefona está tocando e não quero atender. Deve ser algum cobrador; não de dinheiro, mas de afeto. Quanta carência existe nas pessoas. Alô! Tudo bem? Tudo bem, e você? Tudo indo....as mesmas palavras e algo mais sem muito sentido. Acho um saco falar no telefone. Aliás, acho um saco uma porção de coisas. Poderíamos aproveitar mais o nosso tempo. São raras as pessoas que fazem do meu dia, um acontecimento. É um desperdício palavras ditas, ao vento. Poucas conversas jogadas fora são inteligentes e bem-humoradas. Tornei-me muito crítica. Talvez tenha sido excesso de leitura. Como gosto de ler, aprender e me fascinar. Conheço poucas pessoas que lêem; elas dizem não ter saco. Mas, adoram falar ao telefone. Gostam de novelas e assistir o tal do Big Brother. Não gosto de ler jornais. Além de sujarem as mãos, parece ser tudo mentirinha. Gosto do ritual do chá com o meu marido. Toda noite bebemos chá e conversamos. Outro dia demos boas risadas. Gosto de cair na gargalhada; existem pessoas que são verdadeiras charges. Essas me encantam, me empurram prá frente. Elevo-me. São poucos os dias que realmente estou feliz. Nos outros, estou como agora. Não é infelicidade. É busca. É travessura não confessada. É doce. É um sabor de quero mais. Não quero me resignar, nem me robotizar. Ainda quero o porvir. Existe um dia depois de hoje, de amanhã. Quero que algo me suspenda, tire meu ar e me faça escorregar como criança. Quero que todas as letras que eu leio se unam para entoar uma melodia que tenha significado apenas prá mim. Quero a ventania no rosto, nas bochechas, que me obrigam a fechar os olhos e apenas sentir.
Marisa Speranza

15 de mar. de 2009

Amantes

Lucia deixou seu quarto, bateu a porta e saiu. Seus óculos escuros, no dia de calor quente, escondiam seus belos olhos azuis. Com sua roupa elegante, com ares de dona de si, sabia que o encontro seria perfeito. Seu carro mostarda,do ano, pequeno e veloz dizia a que classe pertencia.Usando pequenos brincos de ouro e apenas um relógio não deixava de brilhar. Chegou ao restaurante, pediu que o manobrista estacionasse seu carro e entrou. Retirou os óculos, olhou à volta e o viu numa mesa do canto. Todos a olhavam quando ela passou. Com uma pequena mordida na orelha esquerda, denunciou sua presença. Fôra recebida com um sorriso encantador. Todas as tardes de quarta-feira se encontravam. Eram simples amantes, casados com outras pessoas, infelizes, descontentes. Seu romance já durara quatro anos e sempre foi feliz. Tantas vezes sofreram porque pensavam que pudessem viver juntos. Mas, sabiam que não. A vida não lhes deu permissão. Resignados e apaixonados, viviam seu dia, por inteiro. Se tocavam, se olhavam profundamente e se beijavam. Almoçavam sob risos e conversas. Saboreavam a sobremesa e iam para um motel para se amarem. Suas peles sensíveis mostravam suas carnes, abertas, fecundas e quentes. Tudo era amor. Tudo era verdadeiro. Sempre se perguntavam quando aquilo terminaria. Sentiam medo ,mas preferiam saborear os cheiros deixados nos lençóis. Cheiro de sexo, amor, arrebatamento. Suas línguas pegavam fogo e,como animais, se acabavam loucamente. Hora de ir embora. Uma suave bruma de nostalgia se instaurava no quarto. Um suspiro longo encerrava o que não era dito, mas sabido. Tinham que voltar para seus mundos reais. Sorriam porque a próxima quarta está próxima. Enquanto Lucia retornava para sua casa pensava: O amor não deveria ser julgado. A maioria das pessoas não compreende a força do desejo e do compromisso. Prefere banalizar e dizer que é uma questão de caráter. Pessoas são complexas, presas a seus destinos e às suas pequenas tentativas de liberdade. Deixe os amantes se amarem.
Marisa Speranza

1 de mar. de 2009

Abandonando

A porta se abre e ela o vê. Com ar distraído e trazendo um lindo buquê de flores, ele sorri. O sofrimento do dia anterior se desvai momentaneamente e, ela, emocionada, joga-se em seus braços. Ele entra, vislumbra a sala clara, com suas paredes cor de marfim. Gosta da casa dela. O contraste das cores, o deixam encantado. Ela senta-se em seu sofá verde musgo e pergunta-lhe se quer beber algo. Quer uma vodca com gelo. Apesar dos beijos e dos abraços, a atmosfera era densa. Havia coisas a serem ditas. Ela olhava-o com a certeza de seu amor e de sua desconfiança. Era o impasse de sua vida. Dois sentimentos contraditórios e queria tanto se sentir segura, amada e confiante. O aroma das flores agora, imponente, permitia o silêncio ter voz. Ele jurou-lhe amor, disse que não houve nada demais, que ela poderia confiar no que dizia. O ar de menino travesso que um dia ela se apaixonara estava presente novamente. Ela levanta-se candidamente e pede licença. Caminha até a varanda e olha a vista deslumbrante. Precisa pensar, mas já sabe das respostas. Sua vida está em jogo. Qualquer resposta seria inútil. Teria que viver sozinha porque ele não sabia lidar com as responsabilidades. Seus olhos viam uma coisa e seu peito, acelerado, outra. A imagem de mandá-lo embora era devastadora. Deixá-lo ficar também. Retorna da varanda e quer prolongar o momento. Olha-o profundamente. Ele diz: não sei o que dizer, não sei do que você precisa. Gostaria tanto de entendê-la. Você exagera muito suas emoções. É melodramática. Às vezes, não sei o que você quer de mim. Sinto-me exausto. Mas, amo você. Sinto-me muito triste por não fazê-la confiar em mim. Ela se levanta, pega uma vodca também e responde: você se parece muito com o meu pai e não sei se suporto isso. O abandono, a rejeição e a impiedade foram insuportáveis. Tenho medo, muito medo de correr o risco e tudo se repetir. Ele responde: tudo se repete, de um jeito ou de outro. Você precisa se fortalecer, ficar além de mim. Não somos a metade de uma laranja. Somos pessoas únicas, diferentes e não quero lhe garantir nada. Sei apenas que amo você. Ela pega as flores, coloca-as num jarro e pede para ele ir embora.Quem sabe um dia, ela ganha juízo? Seu beijo é suave, amargurado. Por não suportar, ela o abandona.
Marisa Speranza

27 de fev. de 2009

Encanto de mundo

O dia começa. Ela se levanta da cama, ainda reticente. Não sabe ainda o que fará. Gostaria de não ter que olhar a agenda, pois hoje é sexta-feira. Seus sonhos foram muito loucos, psicodélicos. Esteve em vários lugares e não conhecia ninguém. Acordou com suas pernas embrulhadas nos lencóis macios. Ainda estava exausta. Vai para a cozinha prá fazer o café. Quer ele forte. Precisa do cigarro e não quer esperar a água ferver. Dá uma longa baforada e, sente na pele, o sol quente. Está perto da janela olhando para alguns ramos verdes de plantas. Dois passarinhos passam por ela, velozes. Ela sorri e pensa que gostaria de voar. Sair por aí. A água ferveu. Beberica devagar o liquido quente. Vai para a sala pensando em como será seu dia: livro, caminhada, cinema, amigos, filminho em casa, praia, transa. Ela faz uma longa pausa e sabe que apenas um banho vai tirá-la dessa inércia. Uma ducha fria, implacável, arrepiante. Se veste da melhor maneira possível. Um vestido simples, uma sandália prática. Pega as chaves do carro, ainda com os cabelos molhados e sai. O trânsito colabora com sua lentidão. Resolve ir à Lagoa ver gente e cachorros. Várias raças de ambos. Observa que cada um, a seu modo, é tão singular. Salta do carro e vai a um quiosque. Pede um suco de laranja e, ainda observando, se deleita. Pessoas vão e vêm, passam por ela e, parecem não notá-la. Mas, ela continua atenta. Casais brigam, casais se beijam, caminham de mãos dadas. Alguns, têm uma solidão agoniante; é como se tivessem em outro lugar. Algumas estão sozinhas, fazem sua caminhada, de um jeito estranho, outras de um jeito harmonioso. As crianças se divertem. Vivem em seu mundo próprio, repleto de vida e beleza. Alguns homens mais velhos, fazem de tudo para se tornarem mais jovens. Senhoras de cabelos grisalhos, caminham vagarosamente. Sabem que o tempo agora é mais curto e parecem apreciá-lo mais. Os cachorros treinados, não ousam ir além. Os bagunceiros, latem, balançam seus rabos, correm e se enroscam nas próprias coleiras. O céu está azul, o sol brilha e as barraquinhas de sorvete não param de vender. Coisa linda de se ver. Sai do quiosque, dá uma caminhada serena no compasso das senhoras e aprecia também. Gosta de sentir o calor sobre a pele. Fica por ali umas duas horas. Pega seu carro, volta prá casa e come uma lazanha comprada no mercado; adora quatro-queijos. Toma outro banho, veste outro vestido, liga para algumas amigas e todas já têm seu programa. Sai novamente sozinha. Vai para o shopping, mas não quer comprar nada. Senta-se em outro quisque e observa. Agora as pessoas são diferentes. Não têm o ar da inocência. A maioria, só pensa em compras. Está no olhar frenético, na forma de andarem e se esbarrarem. São muito estímulos, são muitas propagandas de tv e elas pensam que felicidade é ter esse montão de coisas. Não aguenta fazer mais parte daquela conspiração e sai do lugar horroroso. Pega seu carro e retorna prá casa. Havia uma mensagem em sua secretária eletrônica. Ela escuta, ri e resolve cair na poltrona. Seus devaneios e lembranças ainda são muito fortes. Mas, não pode mais ficar com aquele homem. Fazi-a sofrer com seu egoísmo e seu jeito narcísico. Para tudo existe um preço a pagar. Sente-se encurralada em seu próprio corpo, não tem como sair dele e nem quer. Precisa apenas que o mundo seja mais encantador.
Marisa Speranza

27 de jan. de 2009

Desabafo de mãe

Hoje estou triste. Descobri que minha filha está fumando. Coisa doida essa de aperto no peito. Que incômodo! Por que ela não poderia ter outras opções? Conversamos e coloquei alguns limites. Ela diz que sou louca. Queria que eu fosse amiga dela. Mas, eu sei que sou. Ela quer que eu concorde com tudo que ela faz e diz. É adolescente, pensando ser adulta. Tenho que zelar porque sei que as tentações são fortes. Também já fui adolescente e como é difícil não ser arrastada pela vontade de querer chamar atenção, fazer parte do grupo e ser aceita. Que chatice! Detesto ter que ficar interferindo, dizendo um monte de coisas de mãe. Será que ela não se toca? Quer fazer o que lhe dá na telha. Chegar tarde, sair, bebericar e mais essa de hoje. Não adianta dialogar, se acha ferida sei lá porquê. Sempre a culpa é de mãe e pai. Somos culpados de tudo? As pessoas não sabem decidir? Já sei. Ela decidiu fumar, beber, chegar tarde, ouvir som alto e eu tenho que compreender. É isso o amor incondicional? É difícil entrar no mundo dos jovens; um passo e lá está o abismo olhando para eles. Ainda acredito, diferente de outros pais que vejo por aí, que preciso ver e ficar atenta à minha filha. Sei que ela é do mundo, não é minha. Mas, sei que ela ainda não sabe o que decidir. O discernimento, nessa idade, nem sempre é bom. Ainda tem muito a aprender, sem precisar se machucar. Imagino a dor de uma mãe quando seu filho é viciado em drogas. Deus me livre! Viro bicho. Não sou louca mesmo? Só porque imponho horários de chegar, porque quero que ela arrume seu quarto, não se atrase, estude. Essa é minha loucura. Converso muito também. Sempre dialogando. Ela diz que tem boa cabeça. Acredito. Por outro lado, boas cabeças também rolam não é mesmo? Pois é.... a vida continua, preciso ainda ter fé. Mas, fumar? Francamente! Que coisa idiota; dentes amarelos, pulmões pretos, pele áspera. Ela não vê as campanhas anti-tabagismo? E, quando parar? Gorda! Irritadiça! Mais do que nunca queria tanto levar a vida como algumas mães que conheço. Já ouvi assim: "Quando ela tiver câncer de pele, não estarei viva mesmo". Você não vai pedir para seu filho passar filtro solar? Acho, sem ser radical, que pessoas de dezoito, dezenove, vinte,que ainda não trabalham, moram com os pais, têm mais que seguir as regras da casa.E, quer saber? Só tem direitos quem tem deveres e, só sabe mandar, quem sabe obedecer. Então, querida filha, lamento.
Marisa Speranza

20 de jan. de 2009

De mãe para filhos I

Há qualquer momento, posso morrer. Tenho tantas coisas a dizer. Muitos livros para indicar; minha biblioteca é vasta. Tantos filmes a compartilhar. “O Poderoso chefão”, é um clássico. Muito a aprender; quantas sutilezas, valores e desconstruções. Tenho muita estória pra contar, mas as melhores giraram em torno de meu avô e minha mãe. Quero, no momento, deixar registrado que o bom humor, ainda é a melhor arma para se viver. Nem sempre devemos levar, a sério, as pequenezas da vida. O que vale é o resultado final. Por outro lado, honestidade e integridade ainda fazem parte do meu cardápio. Já sofri muito por minha franqueza. E, tenho um excesso de generosidade, que pode parecer arrogância, mas tô me lixando.Entendo o conceito como ética. Se, penso numa palavra, associo à outra. Respeito por horários, contratos e promessas são tudo que valorizo, além das amizades. Por outro lado, sempre fiquem atentos à demagogia. Existem muitos interesseiros. Sou da época, que fazer bem era um bem. Continuo assim. Controlo as pessoas com as palavras e atitudes.Quem souber olhar de perto, verá que sou pessoa legal. Nada de bem ou de mal; isso varia, de acordo com as perspectivas. Não julguem, não falem mal. Fiquem antenados. Não fujam de um olhar. E, o aperto de mão precisa ser forte. Solidez do pensamento requer requinte. São estradas percorridas de lembranças com afeto e aprendizados do dia-a-dia. A vida é sempre bela, mesmo quando estamos sofrendo. Daqui a um tempo, estaremos juntos, de alguma forma. Espero, que a morte seja repleta de significados. Quanto sentido existe em meu ser. Como amo vocês, criaturas do devir, do futuro. Sei que muita água rolará. Não percam o farol de vista, suas referências. Cada um de nós, cantarola uma música; ela diz tudo a nosso respeito. Mude o refrão, reinvente e crie novas melodias. Tenho tanta coisa a dizer. Uma delas é a respeito do amor, seja de onde vier. Paciência, compreensão, paixão e amizade formam um ótimo ingrediente. Hoje, estou simples. Falo direto, sem palavras rebuscadas. Hoje, escrevo apenas para vocês, meus filhos queridos.
Marisa Speranza

2 de jan. de 2009

Sussuros

Sussuros nas paredes. Elas falam comigo. Sei que estou à procura de novos sons. Mergulhar nas profundezas de meu novo ser, sempre em mutação. Ontem, fiquei por aqui, deixando palavras passearem em mim, meu corpo. Minha cabeça foi invadida por palavras que não tomei nota. Esvaíram-se. Não consigo me recordar. Eram tão bonitas, multifacetadas. Todas coloridas e quentes. Perdi-as. Entro em angústia quando isso me acontece. Perdi o sopro do momento. Quero recuperar o instante e as paredes ainda falam comigo. Não consigo alcançar o sentido das coisas, de mim. Meu ventre pulsa, minhas pernas fraquejam. Não quero caminhar, fazer esforço. Quero que palavras se apoderem de mim, me rasguem, me comam. Puro gozo. Mas, não é isso que está acontecendo. Estou no vazio, no meio do nada, vertiginosamente livre, solta. Às vezes tenho medo dessa sensação que consome minha carne, me faz morrer. Fico lutando e recorro às palavras inúteis. Elas não querem saber de mim. Penso em dormir prá acordar depois e dizê-las porque sonhei, desejei. Tenho medo de ficar paralisada, distanciar-me e nunca mais encontrá-las. Estou ficando aflita porque ansiosa. Preciso parar agora de ouvir esses fantasmas que gritam das frestas. Tampo os ouvidos. Prefiro ficar no nada, tonta. Prefiro esperar outra hora e não adoecer de palavras não ditas. Preciso de um tempo.
Marisa Speranza

29 de dez. de 2008

Véspera de Ano Novo


Quase véspera de ano novo. Gôsto de aniz, arco-íris. Vontade de criar coisas novas, de viver o não vivido. Sair da preguiça, colocar o pé na estrada. Ver novos horizontes, fazer roupa nova para o cotidiano. Trocar lençóis, móveis e paredes. Pintar aquarelas com pinceladas a esmo. Gosto de abstrato. Gosto de abstrair. É difícil fazer amigos profundos; requer muita sutiliza e menos formalidades. Reinventar a história. Voltar no tempo, fazer mais besteiras e refazer algumas que fiz. Planejar menos, executar mais. Sentir o sol, mais sexo, menos pudor nas relações. Dizer mais o que penso, pensar mais o que falo. Tudo tinindo, tudo em cima. Divagar, devagar. Jogar o jogo das emoções, não temer os descompassos do coração. Dançar, mexer, ondular. Rir muito, sorrir mais. Vinho! Bocas ! Luzes! Cama com amor! Remexer no calendário e remoçar. Brilhar, ousar, jogar coisas fora. Sentir. Ler. Beijar. Abraçar. Tocar. Coisas simples, nada demais. Eu consigo.
Marisa Speranza

12 de out. de 2008

Mulher Excêntrica

"Ser excêntrica é estar além de convenções. Ter aprendido que destruir conceitos e recriar outros é responsabilidade de pessoas incomuns. Gosta de algumas coisas extravagantes, geralmente tem olhar de águia, observador. Seu talento brilha porque seus atos vazam. As opiniões se modificam como as estações do ano, porque estão atentas às suas sensações. Sempre em devir, percebendo tudo e conjecturando, A mulher excêntrica, por excelência, aprende na pele, a dor da diferença e cresce em sua própria superação e autonomia. Seu alvo de vida é a própria vida, com seus sabores e dissabores. Ser excêntrica não é algo que se determina ser. Ou é ou não é."
Marisa Speranza

12 de set. de 2008

Sonhos de liberdade

Quando eu era criança não sabia que era tão complicado. Brincava e corria à procura de vento e sol. Era, na época, meu único destino. O tempo passou e foi um longo processo, da meninice à vida adulta. Quantas responsabilidades. Quantas alegrias por universos conquistados. Hoje, vejo meus filhos crescendo na velocidade luz. Sinto falta de conversas mais longas, de lanches mais rebuscados, do riso solto na mesa farta. A família se reunia, contava coisas do cotidiano. Não me lembro dos assuntos serem contas a pagar. Lembro de comemorações, de como estávamos na escola, como eram nossos amigos. Como foi dar o primeiro beijo adocicado pelo amor. Como foi a primeira noite, dos carinhos e afagos. Havia um olhar para as pessoas de forma mais humana, menos banal. Tudo tão bonito; até quando aconteciam coisas ruins era bonito. Era mais íntegro. Tínhamos uma vontade de poder, de potência, de liberdade. Vontade de ousar e de superar. Buscávamos ter empatia por nossa profissão. Sentíamos, em nós mesmos, o nosso dom. Não precisávamos de exércitos de orientadores profissionais para dizer do que gostávamos, o que nos realizava. Hoje vejo jovens mais tristes, mais frenéticos, sem tempo sequer de dizerem olá. Parece que o mundo vai acabar, que suas vidas serão arruinadas a qualquer momento.O dinheiro, a máscara da superfície ganhou forma. Somente a pele é relevante. Danem-se nossas vísceras, nossos afetos, nossos desejos mais sublimes. As pessoas brigam, se maltratam e não se olham mais nos olhos, não são mais francas, de coração. São cegamente narcisistas, só pensam nelas mesmas e são francamente más. A competição é grande, todos têm inveja de alguma coisa ou de algo que alguém tem. Todos querem possuir sem gostar, sem o dom de apreciar. Lembro-me quando meu avô trazia prá casa alguns doces. Leite condensado era artigo de luxo. Lambia os beiços quando comia palitinhos de chocolates comprados na feira. Hoje temos tantas marcas de biscoitos que perdemos o paladar; não sabemos o que é amargo ou doce. Teria tanto que escrever, tanto que dizer. De qualquer forma, deixo um recado para quem ainda não nasceu ou para quem quer renascer: olhem mais, escutem com atenção, se alimentem com tranqüilidade, saboreiem a vida. Enxerguem com o coração, respeitem os outros, respeitem as regras, quebrem-nas com sabedoria. Tenham amor à vida! Tenham amor ao planeta. Tenham amor pela família e não confundam amizades interesseiras com amizade profunda; isso requer mais cuidado, mais assertividade e mais trabalho. Não julgue o que você é, somando ou diminuindo. Ser inteiro leva tempo e requer habilidades.Talvez sua busca nunca se complete, mas você tentou. E, saiba sempre que tudo na vida tem conseqüências. As coisas sempre têm vários lados. Priorize o seu lado melhor e aprenda com os erros.
Marisa Speranza

8 de set. de 2008

Insônia


Mexendo nas orelhas,adormeço. Sonhos me agitam o coração e, na exaustão, acordo. Fico o dia todo tentando equilibrar as forças que se agitam dentro de mim; estou sem foco. O dia passa e as pessoas por mim, sem eu querer interagir, nem conversar. Como vampiras, elas tentam sugar o que resta da noite passada, essa mal dormida. O banho que eu tomo é quente, deixo cair o óleo que acaricia a pele, como veludo. Estou pela metade, cumprindo um ritual do cotidiano. Saio pelas salas e quartos a procura de algo que me faça voltar. Pego um livro, releio páginas tão desgastadas e nada consegue me alcançar. Vejo um filme chato. Ou eu estou . Ambos nos encontramos no tédio da meia-luz, da outra noite que está por vir. Preciso dormir, me deixar cair, me deixar levar. Preciso de outro ser que me embale no inverno, que me faça esquecer das promessas não cumpridas, dos amores não amados. Tanta coisa ainda vive,mas desordenadamente. Uma parte do insconsciente vaza e me vejo meio louca. Posso gritar, triunhar sobre falsas mentiras. Como as coisas são repetitivas! As mesmas coisas são ditas de formas diferentes. Nada se cria, tudo se refaz, do ontem, se faz o hoje. O futuro humano, caótico e apaziguador ainda está por vir. Essa natureza humana que insiste em ser a mesma. Versões de culpa, ressentimento e mágoas e, todos presos, nos grilhões do tempo. Do mesmo tempo. Faço de conta que amanhã será diferente. Vou acordar, darei um bom dia sem animação para aquele rosto tão mentiroso quanto eu. Falarei qualquer besteira, perguntarei algo como se estivesse interessada. Não cabem mais mentiras no mundo. Sou o que fizeram de mim. Palavras aprendidas, máscaras virtuosas, na tentativa de enganar. Nada disso eu quero dizer. Sinto-me uma estrangeira dentro de meu próprio ser, ofegante, pálido, sem vida. Não quero a morte porque ainda não estou preparada para que sintam minha falta. Preciso desapegar. Odeio religiões mentirosas que iludem as pessoas a acreditarem em seus egos imortais. Quanto narcisismo, não dar lugar à vida quando seu fim chega. Nada pode ser absoluto; não teria a menor graça. Essa coisa de continuidade é para os fracos, das pessoas que não têm coragem de viver no vazio, no escuro, no silêncio. Hoje quero o mundo calado, sem ruídos, brincando de morte, brincando de coisas mais verdadeiras. Não quero mais me enganar. Me dá náuseas ter que fingir e saber que fingem prá mim. O mundo dá voltas, em zigue-zague e nada é igual apesar de parecer. É porque as mesmas palavras nos atrapalham. É sempre a mesma porcaria de letras e de discursos. Queria a arte de se criarem novas formas de ser, de existir. Nada de palavras ôcas e de clichês. Nada de excessos de sentimentalismos aprendidos. Tudo é cultura, é a chatice de fazer-de-contas que sou mais que você e assim vai. Todos os dias podem ser noites. O meu dia foi noite, não porque estivesse infeliz. Aliás, outro modo de nos chatearem é quererem interpretar o que sentimos ou de que forma nos conduzimos. Tanta mediocridade não deveria ocupar o espaço que pertence ao oxigênio. Hoje quero uma noite de luz, de vida, dos sonhos dourados, sem palavras, sem medo. Apenas fantasias. Quero um sonho do impossível, das coisas que não alcanço, da idéia de um mundo que não cabe em si. Conhecemos as estrelas, a lua e o Sol. Chegam aos nossos sentidos. Quero um deus diferente, além do universo e das explicações místicas. Quero excesso de sensação, de profundidade e de êxtase. De forma singular, que pertença apenas a mim e que ninguém possa explicá-lo.
Marisa Speranza

20 de ago. de 2008

Magra, rica e infeliz

Ela se espreguiça, levanta da cama e se olha no espelho. Sente-se mais gorda. Tira um closet da silhueta e faz uma cara de poucos amigos. É escrava da mídia, do sistema masculino, da autoridade que nem lhe pergunta como se sente. Acredita em todas as baboseiras que lhe dizem e, acredita que ser feliz é ser mais magra, ter dinheiro e ser bonita. É um fardo ter que carregar todos esses batons, cílios postiços e,ter na bolsa, um monte de coisas que lhe pesam literalmente nos ombros. Há muito tempo queria ser apenas feliz, mas de outro modo. Pensava que,quando crescesse teria mais liberdade, que sairia dos grilhões dos pais. Pensou que um dia pudesse ser dona de seu nariz, ter autonomia e blá blá blá. Faz o café, come aquelas bolachas insípidas com a manteiga light. Lembra-se do mamão, que na verdade ela detesta, mas precisa dele porque faz bem ao intestino. São tantos mandamentos, que tem saudades da mãe, quando lhe fazia bolos, brigadeiros e mingau à noite. O banho precisa ser cronometrado porque ainda precisa deixar a roupa na lavanderia antes de ir para o trabalho. Passa no tintureiro também para pegar o terninho que ainda lhe cai bem. Voa para o carro, corre e, fala ao telefone, olhando de esguelha para a polícia não multá-la. Chega no estacionamento do trabalho, com um sorriso falso porque na verdade gostaria de mandar tudo às favas e estar dormindo com suas roupas usadas e rasgadas. Seu dia passa rápido, mas não sabe nem o que comeu no almoço. Sabe que foi salada, mas já faz as combinações de forma automática e mal saboreia porque precisa estar com um cliente em vinte minutos. Novamente ela corre. Retorna para o trabalho, cruza com o porteiro e lhe dá um olhar de cumplicidade. Ninguém ousa dizer nada a respeito, afinal de contas eles têm um trabalho a realizar. Fica horas a fio no telefone e, quando termina, pega seu peso, vai ao toilette e passa o baton; não sabe prá quê,mas faz parte do ritual. Enfim, volta para casa, tira os sapatos apertados e tira do congelador alguma coisa pronta. Pega o vinho, abre, toma uma taça, que saboreia, em sua solidão. Pensa: deve ser o vinho que está me engordando. Triste,ela toma uma ducha, vê alguma imagem na televisão e, prepara-se para dormir. Amanhã terei que passar no supermercado depois do trabalho. Preciso comer melhor. Estou engordando. Acho que estou infeliz.

6 de jul. de 2008

Ana - Um conto

Ana. Meu nome é Ana. Não sei o que significa meu nome, mas sinto-me pequena. Aliás, sou a menor de minhas irmãs. Lembro-me das zombarias na escola. Chegaram a me chamar de anã. Hoje, depois de tantos anos, pergunto-me, ainda, para onde vou. São tantas incertezas. Tenho certeza de que essa insegurança é porque estive cercada de verdades absolutas. Canso-me de pessoas com sistemas de crenças que acabam por nos diminuir, deixando de lado nossas singularidades. Lembro-me, que sempre que quis algo, minha família conservadora, tirava-me. Não eram déspotas. Eram cínicos, faziam pouco caso quando eu tinha uma grande idéia.Ia para o meu quarto, lugar seguro. Meu travesseiro encontrava-se quase sempre molhado. O choro vinha das profundezas de uma dor que eu sabia ser exagerada, mas ainda assim, era grande. Às vezes, eu dormia e sonhava com meu nome. Era capaz de fazer coisas, como dançar, levantar uma das pernas até o alto. Eu era bonita, nos meus sonhos. Vestia-me com primor, era elegante e alta. Pensava ser uma intelectual, uma mulher que os homens respeitavam e admiravam. Acordava com uma sensação que a qualquer momento, ao me levantar da cama, algo iria acontecer, que seria um dia glorioso, que eu me descobriria. Depois do café, sentia-me novamente sem fôlego. Parecia que estava sempre deprimida, com um roupão sobre minha pele alva, sem graça e sem jeito de recomeçar. Olhava pela janela à busca de inspiração. Assistia ao cenário amarelo e azul e nada vinha. Sentia-me também preguiçosa. Lembro que as vozes vinham do fundo, velozes. Minha família, muito elétrica, gritava pelo meu nome, na tentativa de me tirar daquele ostracismo. Tudo em vão. Aquelas pessoas malvadas não se davam conta de como feriam meus sentimentos. Idealizavam uma Ana que jamais eu poderia ser. Idealizavam e tiravam de mim qualquer dignidade. Sentia uma solidão enorme e só me preenchia quando ia conversar com os criados da casa. Minha babá, Anete, senhora robusta, com olhar meigo, sempre que me via, dizia: Pequena Ana, por onde você andou? Acabei de fazer um pãozinho quente para você. Ela me olhava com ternura e meus olhos se enchiam de lágrima. Quantas saudades eu sentia de mim sentada em seu colo, com meus cachos sobre seu ombro e ela cantarolando uma música infantil. Naquela época eu não sabia que pertencia a uma família rica, inteligente ,mas insensível.Ao fechar meus olhos, minha boca entreaberta, mastiga, devagar o pão saboroso. Sinto que aquela casa enorme não tem espaço que eu caiba. Minha sensação é que só saberei qual a finalidade de minha vida quando eu puder ir embora. Saio pela varanda, descalça caminho em direção ao portão de ferro. Estou determinada. Aos poucos, desacelero. A vida me cansa. Caminhar me cansa. Eles sugaram minhas forças. Minha mãe morrera quando eu ainda era um bebê. Todos cuidaram de mim. Vejo vários rostos. Sinto saudades de alguém que não conheci. Sinto que apenas minha mãe poderia ter me salvado. Retorno do portão. O mundo é grande demais. O mundo não me pertence. Chamo-me Ana. Não conheço o significado. É um nome de três letras apenas. Pequeno. Eu sou pequena. Não quero crescer. Não quero mais mostrar para o mundo do que sou capaz. Não existem finalidades. Existe a pressão da cultura. Quero apenas voltar para minha cama e só.

Marisa Speranza

29 de jun. de 2008

Ela não tem nome

Ela abre e fecha as gavetas. Corre para um lado e outro à busca de acessórios. Sua vida depende dessa noite mais uma vez. Ele ligou depois de quatro dias de ausência. Já tinha se consumido em sentimentos de rejeição e desamparo. Quanta nostalgia! A espera valeu a pena. Quando seu celular vibrou o nome dele, seu corpo também. Tentou disfarçar a emoção, se fazendo serena, apertando a garganta. Sua vontade era gritar , mas sufocou e, aceitou o convite para sair, como se aceitasse ir na esquina. Para falar a verdade, ela não passaria mesmo muito da esquina. Ele não a levava a lugares interessantes; apenas a bares e depois viria pra sua casa e se amariam. Ela já sabe que no dia seguinte, com a barba cerrada, ele irá embora dizendo: qualquer hora dessas, eu telefono. Sua alegria transforma-se imediatamente em desespero. Seu amor é masoquista, não sabe se impor, não sabe se respeitar. Quando está só, divaga que tudo será diferente, que não se submeterá a seus caprichos. Seu coração amolece diante da voz sedutora e leve. Aliás, seu ar brejeiro a encanta Parece um homem-criança que toda mulher que aninhar nos braços. Imagina a vida a seu lado. Quando ele parte, ela chora. São 8:10h. Ele disse que chegará às 9:00h. Quanta agonia! Uma doce agonia. A tristeza suspensa até o amanhecer. Agora ela é movida pela esperança, por aquele brinco que o hipnotizará. Aposta tudo no perfume, na calcinha de renda e no creme que hidrata seu corpo. Imagina suas mãos acariciando-a mais tarde. Sente vontade de chorar e sorri. Não quer ficar com uma expressão fechada. Ela precisa estar feliz para encantá-lo. Não pode se dar ao luxo de ser ela mesma. Ele quer apenas saciar seus desejos. Ele, às vezes, é generoso, parece lembrar-se que ela é uma mulher; frágil, encantadora e humana. Faz um carinho em seus cabelos como se estivesse brincando com uma criancinha. Ele chega a sentir um pouco de compaixão porque sabe como ela se esforça em fazê-lo feliz.Mas ele ainda não sabe o que quer. Ele sabe que não irá durar. Ela chega com seu sorriso perfeito, seus saltos altos e diz um oi todo derretido. Nesse momento, ele se emociona ao vê-la. Arranca com o carro e deixa-a na calçada. Por uns segundos ela não sabe o que fazer. Depois, tira os sapatos, volta pra casa e abre um vinho. Em sua solidão, fecha os olhos e, pela primeira vez, entende que os homens ainda têm coração. Ela sorri e se perdoa. Devagar, retira os acessórios. Nada depende dessas coisas, descobre. Todo encontro é acaso. E, se por acaso nos encontrarmos...
Marisa Speranza

3 de mai. de 2008

Síndrome de Mulher


"Quero casar ou ficar solteira?" a pergunta está impregnada, de forma obsessiva, na maioria da cabeça das mulheres. Quem está solteira, quer se casar e quem está casada quer comprar uma escada e, finalmente, trocar a lâmpada. Claro, que não estou referindo-me a todas as mulheres e sim às que se queixam. "meu marido é isso", "meu marido não aquilo...", "meu marido preferiu..." e assim por diante. As solteiras dizem: "queria ter tanto uma família, filhos" - as que não querem dizer que queriam marido, "será que nunca me viram?" "Por que os homens não querem se casar comigo?". Dúvidas cruéis... Como a crônica é para mulheres, não vou dizer que o mesmo acontece com homens. Talvez em outra hora. Por enquanto, adianto que, casada ou solteira, o que vale é a falta. Arranco meus cabelos até porque, além de ser psicoterapeuta, também sou casada. Entendo os dois lados. Não o dos homens, não nessa crônica. Compreendo que a falta é sempre a do desejo. Ou tenho desejo do que não está presente. Confuso? Penso que as expectativas são muitas e, na maioria das vezes, insatisfeitas. Por quê? Eva pergunta a Adão se ele não poderia ter se controlado. Ela é uma mocinha que, acreditando no "paraíso" foi traída por uma serpente. Sendo assim, a pergunta fica para os psicanalistas: homens têm falo e as serpentes têm forma fálica. Conclusão: quem caiu na lábia de quem? Voltando às idéias para não me perder, para cada mulher insatisfeita, há um homem muito bem humorado, segundo a perspectiva dele, que nunca reclama, gosta de coisas simples, não gosta de shopping e, além do mais, hoje em dia é bom pai. Pega até os filhos na escola. E, quando cozinham? Tornam-se perfeitos. As mulheres executivas executam seu falatório infernal e gritam que querem que homens as resgatem, seja lá da "solteirice", seja lá do "abandono". Essa sim, é a verdadeira guerra dos sexos.Penso que, como psicoterapeuta e mulher, a solução está no diálogo. Então vamos dialogar até o dia do juízo final. As mulheres dizem o que pensam, esvaziam sua histeria, sentem-se culpadas e, têm o bom senso de serem boas mães, inclusive de seus maridos. Para quem ainda não tem, é questão de tempo. Mulheres e homens finalmente estão dialogando. Elas falam e eles escutam ou então ambos berram. Passada a semana da lua-de- mel, algo acontece. Eles se encontram repetitivos: ela fala e ele escuta. Se ele falar, é porque não está entendendo. Pensa que deve ser alguma partida de futebol e que a mulher não pode marcar o gol. Quanto está o jogo? Diálogo parece empate. Não vale. Alguém precisa ganhar. Mesmo que o jogo seja "sujo". As mulheres fazem beicinho; os homens fazem caras de bravos e, para fazerem as pazes, resolvem então não dialogar. Decidem fazer muito sexo para apaziguar os ânimos. Ela compra perfumes novos, muda o cabelo e pinta suas unhas de vermelho. Chega em casa, pensando na grande noite, na tentativa de recuperar a lua-de-mel. Ao chegar na casa, ele não nota seu cabelo. Isso é apenas um detalhe. Ela espicha suas lindas mãos, ainda frescas e ele pergunta: "Desde quando você pinta suas unhas de vermelho? Parece que você as esmagou na porta" Derrotada, ela começa a gritar: "Você não tem nenhuma sensibilidade, cortei meus cabelos, pintei minhas unhas, comprei perfume e você nem me vê". Ele, com cara de tonto, sem culpa alguma porque não viu nada mesmo, diz sem graça: "Ah é... você cortou o cabelo. Está bonitinha". É o início do caos. Ele perdeu o fio da meada. Na falta do que falar, ele começa a gritar com ela porque não viu, mas pegou a calça no tintureiro e ainda fez compras. Ela sente-se culpada, afinal ele é muito bom e ela é que não tem nenhuma sensibilidade. A relação tornou-se um pouco, muito ou demais perversa. Qual estágio você se encontra? Quer morrer? Ainda não. Pensa em soluções mais honrosas. Quais? Ela pensa que vai se vingar, arrumar um outro homem que a veja. Ela lhe diz isso e ele, com um medo danado que ela o faça, faz cara de paisagem, "tô nem aí" e diz: "Então vai, arruma outro que ature esse seu maravilhoso humor". Ela bate a porta e fica arrasada porque ele não vem para fazer as pazes e dizer o quanto ela é linda. Fiquemos assim, por enquanto. As solteiras dizem: "Mas, elas puderam se casar e eu não". Existe alguma coisa no nosso imaginário que diz que a vida sempre será maravilhosa já que você quis tanto. Desde quando a vida é bela todos os dias? Às vezes, estou muito triste, às vezes muito alegre e, às vezes, estou no fluxo de alguma coisa que ainda não sei o que é. De qualquer forma, dialogar, fazer sexo, gritar, brincar e brigar fazem parte da vida de todos nós. Na luta por uma vida melhor, o que vale é a luta. Independente se ela corta o cabelo e pinta as unhas, o beijo selado e o encontro de peles, se faz presente quando pessoas se gostam de forma verdadeira, não tão em paz. Verdadeira, inteira e, sempre, na promessa bem intencionada de que "amanhã" irá encontrar a alegria de ser vista e reconhecida, seja solteira ou casada. As doenças da solidão acontecem quando não se é mais capaz de sonhar ou de buscar a realização dos sonhos. Não se trata de felicidade eterna como nos contos de fadas e sim, da lucidez de manter-se atenta ao outro que lhe serve de espelho para suas ambições. Amor é acalanto, amizade e paixão na dose certa para ser possível viver as diferenças e o verdadeiro encontro. A nudez d'alma é a única possibilidade de se fazer sentir e apropriar-se de si através do outro. Pode-se sorrir e se saber que, independente se ele viu ou não naquele dia seus cabelos cortados, sentir-se bonita e ser bela no olhar da pessoa amada é antes de tudo, poder ser gentil consigo mesma.
Marisa Speranza

29 de fev. de 2008

Em vão

Ninguém sabe ao certo o que lhe aconteceu. Já se passou algum tempo e ela não aparece na casa. Saiu de repente, sem olhar para trás. Parece que se encontra em outro mundo, feliz e cercada de boas pessoas. Quisera um dia, desfazer as malas e ficar para sempre. Duvidava se teria raízes. A necessidade de mudança era tão vital como a água e alimento. Sei de alguma coisa porque li suas cartas e sempre senti que ela não ficaria, apesar de aparentar calma, como se sentisse acolhida. Mas os olhos transmitiam uma inquietude, uma busca como se estivesse na grande África e a qualquer momento pudesse ser presa de algum predador. Eu a observava, seus gestos gentis, seu andar firme e sedutor. Da janela branca, via os lírios e as rosas, tão contrastantes. A paisagem era verde e azul, próprias da natureza. A cotovia cantava pela manhã e ela acordava, se espreguiçava e mordia uma fruta. Mais um dia se iniciava e sua ânsia de viver era grande. Sentava-se na varanda e escrevia horas a fio. Seu semblante era de quem devaneava outras miragens. Sua coxa, de fora, ao vento, era firme. Seu robe branco contrastava-se com a pele macia e morena. Possuía uma sensualidade que ultrapassava os muros invisíveis. Quando eu a encarava, sabia que partiria. Ela sabia que eu sabia e não conseguíamos falar com palavras. Um dia, acordei e não senti seu perfume. Procurei em vão,encontrei apenas cartas e algumas jóias. Sentei-me perto da lareira sem calor e chorei. Ela partiu porque precisava ser livre.

Marisa Speranza

27 de nov. de 2007

Orgulho


Sua cabeça parecia estar fora do corpo. Tudo a remetia àquele momento. Foi há tanto tempo e, na certa, faria diferença se ela tivesse falado alguma coisa. Não obstante, preferiu calar-se e todas as suas coisas foram colocadas de lado. Sua vida ficou despedaçada.
A miséria emocional que se encontrava era grande. Seus afetos, às avessas. Iria morrer mais um dia, se não voltasse atrás. O orgulho era demais. Sua casa é sombria, seus móveis escuros parecem dizer quem ela é. Sabe o que precisa fazer para deixar entrar luz em seu coração. Ainda não está preparada para tal passo. Sua energia encontra-se esgotada. Não se lembra mais das alegrias que a motivavam a cantar e dançar. Caminhava lentamente sobre chão macio; dava-lhe a sensação de queda e vertigem. Suas roupas eram simplórias, de cores sem tonalidades. Sua mente esgotada, apenas descansava quando sonhava acordada. Lembrava-se do amor que partira. Todas as falsas verdades haviam sido ditas e ela não conseguiu dizer uma única palavra que fizesse sentido. O rio corre lentamente, o tempo escorre. Ela se dissolve em lembranças e embaraços. Quanta miséria! Não sabe mais nomear o que sente. Sofre de sofrimento é o que ela diz. Às vezes acorda na madrugada, gritando o nome de seu amor. Ele se foi, ele se foi. Lágrimas e água se misturam no gole. Precisa dormir em paz. Precisa dizer apenas a palavra. Que palavra? O que outras mulheres diriam para manter por perto o amor? Ai dela, que sofre sem saber do maior tormento: não sair de si e se doar. Quanta infelicidade!


Marisa Speranza