20 de ago. de 2008

Magra, rica e infeliz

Ela se espreguiça, levanta da cama e se olha no espelho. Sente-se mais gorda. Tira um closet da silhueta e faz uma cara de poucos amigos. É escrava da mídia, do sistema masculino, da autoridade que nem lhe pergunta como se sente. Acredita em todas as baboseiras que lhe dizem e, acredita que ser feliz é ser mais magra, ter dinheiro e ser bonita. É um fardo ter que carregar todos esses batons, cílios postiços e,ter na bolsa, um monte de coisas que lhe pesam literalmente nos ombros. Há muito tempo queria ser apenas feliz, mas de outro modo. Pensava que,quando crescesse teria mais liberdade, que sairia dos grilhões dos pais. Pensou que um dia pudesse ser dona de seu nariz, ter autonomia e blá blá blá. Faz o café, come aquelas bolachas insípidas com a manteiga light. Lembra-se do mamão, que na verdade ela detesta, mas precisa dele porque faz bem ao intestino. São tantos mandamentos, que tem saudades da mãe, quando lhe fazia bolos, brigadeiros e mingau à noite. O banho precisa ser cronometrado porque ainda precisa deixar a roupa na lavanderia antes de ir para o trabalho. Passa no tintureiro também para pegar o terninho que ainda lhe cai bem. Voa para o carro, corre e, fala ao telefone, olhando de esguelha para a polícia não multá-la. Chega no estacionamento do trabalho, com um sorriso falso porque na verdade gostaria de mandar tudo às favas e estar dormindo com suas roupas usadas e rasgadas. Seu dia passa rápido, mas não sabe nem o que comeu no almoço. Sabe que foi salada, mas já faz as combinações de forma automática e mal saboreia porque precisa estar com um cliente em vinte minutos. Novamente ela corre. Retorna para o trabalho, cruza com o porteiro e lhe dá um olhar de cumplicidade. Ninguém ousa dizer nada a respeito, afinal de contas eles têm um trabalho a realizar. Fica horas a fio no telefone e, quando termina, pega seu peso, vai ao toilette e passa o baton; não sabe prá quê,mas faz parte do ritual. Enfim, volta para casa, tira os sapatos apertados e tira do congelador alguma coisa pronta. Pega o vinho, abre, toma uma taça, que saboreia, em sua solidão. Pensa: deve ser o vinho que está me engordando. Triste,ela toma uma ducha, vê alguma imagem na televisão e, prepara-se para dormir. Amanhã terei que passar no supermercado depois do trabalho. Preciso comer melhor. Estou engordando. Acho que estou infeliz.