19 de set. de 2007

A Lua que menstrua







Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que
menstrua...

Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.


Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.


Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar,
mas é outro lugar, aí é que está:

cada palavra dita, antes de dizer,
homem, reflita...

Sua boca maldita não sabe que cada
palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.

Cuidado com cada letra que manda
pra ela!

Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.


Cuidado moço, quando cê pensa que
escapou é que chegou a sua vez.

Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma,
além de ser uma delas.

Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.


Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...

Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.

Outras vezes várias metidas
e mais se afasta dela
Cuidado, moço, por você ter uma cobra
entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente

Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega
com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...

Você que não sabe onde está sua
cueca?

Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar,
ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.

E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.

São duas dignas vizinhas do mundo
daqui!

O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se
queixe: VACA é sua mãe. De leite.

Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!


Elisa Lucinda




18 de set. de 2007

O mar de Cassandra


Cassandra adorava ir à praia. Ficava sentada em sua cadeira lilás, olhando para o mar, para as gaivotas e ouvindo os gritos de alegria das crianças. O mar lhe transmitia calma, sensação de morno e acolhimento. Parecia que o sol lhe abraçava sem pudor.Cassandra há muito não saía para desfrutar da natureza. Era uma mulher simples, pacata, de pouca conversa. Geralmente, o marido importante, doutor, é quem convidava algumas pessoas para jantares de negócios em sua casa. Sempre quis abrir uma grande clínica, mas o dinheiro não era muito e nunca sabia em quem confiar. Por enquanto, o marido de Cassandra, tinha um pequeno consultório na periferia. Eram pessoas felizes. Cassandra havia vivido para os filhos, agora crescidos e independentes. Chegara sua hora de poder desfrutar a vida. Queria ser uma mulher desejada e não somente ser a dona de casa, a mãe, a boa vizinha, a boa amiga. Ela era tudo de bom e já estava sentindo o peso de ter que cumprir esse destino. Em seus pensamentos, envolta na brisa que lhe percorria o rosto, Cassandra se imaginou uma mulher linda, com um vestido sensual, bronzeada do sol, com unhas pintadas de vermelho, com o corpo esguio, de porte altivo. Imaginou-se sendo beijada, não pelo homem que amara a vida toda ,mas por alguém mais lascivo, que realmente pudesse lhe dar prazer, de fazer com que se sentisse liberta e arrebatada. Imaginou o homem levando-lhe para um jantar chique, à luz de velas. Depois ele a levaria para sua casa, para o seu quarto e se amariam até de manhã. Cassandra suspira de imaginar os lençóis de seda, gelados e a pele quente do amante. Um contraste delicioso, que fazia do instante, perfeito.
Cassandra abriu os olhos e saiu do devaneio. Sentiu-se revigorada e mergulhou nas espumas do oceano. Sentia-se sensual, viva.
Iria mais à praia.


Marisa Speranza

4 de set. de 2007

Conto de Miriam


Miriam caminhava de um lado para o outro. Estava desanimada e desesperada. Teria que desfazer tantas coisas; se meteu com pessoas erradas. Ela estava sendo cobrada por suas atitudes e todos lhe diziam que havia sido em vão. Ela chorou a noite toda, envergonhada porque abrira mão de sua liberdade quando assumiu o erro da outra.
Sua família, incrédula, passava freneticamente os panos pelos móveis, na tentativa de encobrir as poeiras que se acumulavam; era uma espécie de camuflagem, não tinham coragem de olhar Miriam nos olhos. Ela se martirizou porque tinha sido tão ingênua, foi torturada com palavras odiosas e pensou mesmo que fosse tão importante ao ponto de alguém querer ir contra ela. Assinou os papéis da credulidade e, quando retornou, a que se dizia amiga, já havia saído da sala, levando consigo a assinatura de Mirian. Apenas as mentiras e omissões ficariam a remoer-lhe o estômago. Estava confusa porque nunca imaginou que pudesse cometer tal engano; eram anos e anos de vida e ela sabia com quem lidava. Mas, enganou-se. A outra, de fala mansa, semblante claro, não prestava. Estivera o tempo todo ali para que Miriam assinasse suas confissões. Ela traiu, emprestou dinheiro e caluniou. Agora será presa porque foi desmascarada. A família de Miriam chora porque ela está muito abatida. Estava sofrendo de vergonha. Miriam pensou em se matar, mas não teve coragem. Sua maior dor era a traição. Estava sozinha agora com sua culpa e arrependimento. Bastaria pedir desculpas a todos que ela prejudicou? Ela sabia que não. Sua assinatura, sua marca estavam naqueles papéis. Violentou-se. Terá que sofrer as conseqüências de sua má fé, no final não adiantou ela ser boa. Aqui se faz, aqui se paga. Sua família está aniquilada. Miriam levanta-se e pede, a esmo, por perdão.

Marisa Speranza