1 de jul. de 2009

Dia de hoje

Novamente estou mudando de consultório e, é claro, com uma tosse danada. Detesto resolver mil coisas sob pressão. Gosto ultimamente de mais calmaria. Mas gosto do cheiro de coisas novas, de movimentos. Claro que no início sinto falta da velha rotina, ainda mais quando gosto das pessoas que atualmente estão ao meu lado. Penso que não as deixarei e isso me conforta. Os laços afetivos permanecem e, ao invés de um lugar, penso que teremos dois e me dá sensação de expansão. Aqui em casa as coisas estão mornas, chatas. Minha filha sempre com cara de má, de mau com a vida. Difícil alcançá-la. A idade de dezenove anos é sempre perturbadora. Muitos caminhos a seguir e o medo inconsciente de um futuro que ainda não chegou. Sobram as ousadias e o desejo de se confrontar que, no momento, está mais direcionado ao pai, que estipula os horários de chegadas em casa, limites mais claros. Às vezes, quero me enfiar em algum lugar e ficar bem quieta, sem ouvir vozes e resmungos. Vida que passa sozinha. Acho que somos sós, apesar de tantos que nos rodeiam. Urge uma vontade louca de escutar sons da natureza, dos animais porque não precisaria respondê-los. Tenho que resolver tantas coisas. Penso que todos da vida moderna sentem um pouco desse desespero. Que vontade de me desligar de tantos afazeres, de tantos deverias e ir mais fundo nas minhas leituras, que me dão tanto prazer. Entro e saio de casa, vou e volto. Parece que estou em ondas não tão serenas no momento. Preciso de ar fresco, de escrever menos em minha agenda. Deixar as coisas fluirem, com menos responsabilidades. Vida de adulto também é chata. Podemos ter mais dinheiro, status e daí? Falta um "q" de brincadeira, de me deixar levar por mais serenidade. Não penso que o inferno são apenas os outros, apesar de me atrapalharem um bocado. E tem a gripe, a tosse nervosa ou alérgica. Não quero ir ao médico, ficar em recepção com um montão de pessoas doentes. Preciso de amplidão, de espaço externo e interno. Parar de ouvir baboseiras e saber me retirar de mansinho. Penso que no consultório novo estarei mais sossegada, me gerindo sem maiores estardalhaços. Por hoje é só; acordei mais cedo, que detesto. Preciso ir à Light resolver pendências. Ufa! que saco! Mas lá vou eu tomar um banho quente, acariciador, deixar a água bater em minhas costas e curtir o momento que antecede o dia. Penso, que muitas coisas acontecerão e quero aproveitar os momentos que me nutrem. Lá vou eu!
Marisa Speranza

30 de mai. de 2009

Para o meu filho

Te amo com todo o meu coração. Te amo com toda a minha vivacidade. Você é um presente dos deuses, intenso e que me faz feliz. Você é único. A vida lhe pertence e eu sou de você. Caminho. Você é uma bela estrada. Encanto. Verdadeiro em seu olhar e expressão. Laço de cor azul, de menino que atravessou meu corpo e embala meu ser. Filho, pai, irmão. Sua pele quente transmite o calor necessário à casa. Você é um pedaço do universo, do qual ele depende. Sem você, o sol não ilumina, a lua se apaga e as ruas ficam desertas. Você é um sonho que pôde se realizar. Te amo!
Marisa Speranza

29 de mai. de 2009

Para a minha filha

Te amo com toda a minha sensibilidade.Te amo com toda a força do meu coração; ele sempre baterá por você.Te amo,mesmo quando você está fora da cidade.Te amo mesmo quando nos desencontramos.Te amo desde as vísceras, no leite e no seio.Te amo porque cuidei.Te amo porque me apaixonei.Lebrinha e gatinha, que no doce sonho, eu cantava para te ninar.No meu colo, longe você foi.No meu colo você sempre ficará. Amor de mãe, amor de filha, às vezes confuso, às vezes em excesso.Mas, nunca de menos porque você é única. Nosso amor, meu amor, nunca termina. A nossa história resistirá às estrelas.Mesmo quando eu me for, você olhará para cima e, quando me chamar, eu virei, embalada em seus mais sutis sonhos e devaneios.
Marisa Speranza

13 de mai. de 2009

Menopausa - Maturidade e Transformação

Que tormento é esse que faz gritar o meu corpo? Estou chegando aos cinqüenta anos e tudo que sinto me causa estranheza. Seria o climatério? Ondas de calor, como se tivesse um fogo ardendo de dentro para fora. São os tais dos fogachos.
O que está acontecendo é uma diminuição funcional de meus ovários. Quando chega à noite, tudo parece aumentar. Fico ruborizada à toa, como se estivesse envergonhada. Quando chegar a menopausa, a última menstruação, a coisa deve piorar. A irritação será frequente, a libido parece desaparecer. Vou ficar sem tesão? E meu parceiro, como vai lidar com todas as transformações? Minha pele vai ficar sem viço, ficarei sem lubrificação e mais rabugenta. Ficarei com aquele ar deprimido, de que já morri e não sabia?
A vida, às vezes, é bastante dura. E eu havia pensado que, enfim, nunca mais menstruaria e que tudo seria resolvido. Questões médicas surgem: deverei ou não fazer reposição hormonal. Alguns são a favor e outros não. Quantas dúvidas, até porque alguns dizem que reposição hormonal pode causar câncer de mama. Claro que na época certa, conversarei com o meu médico a respeito.
De qualquer forma, acredito, particularmente, que a menopausa pode ser resolvida de outras maneiras: com boa alimentação, com o corpo em dança, feliz. Trocando experiências com outras mulheres, podemos vir a descobrir que as causas desses desconfortos podem ser potencializadas porque, na verdade, não me sinto de bem com a vida, comigo mesma, com meu parceiro, com minha vida social e profissional. Podemos ser “inescrupulosas” a ponto de nos escondermos nos sintomas da menopausa, assim como algumas mulheres o fazem com a TPM. Não quero dizer que não existam, mas certas idéias pré-concebidas fazem com que não entremos em contato com as verdadeiras dores e o corpo é quem paga. Claro que depois que "descemos a ladeira", alguns cuidados são essenciais.
Com a perda dos hormônios, todo cuidado é pouco com a saúde, problemas de osteoporose, cardiovasculares e de pressão arterial são frequentes nessa fase. Devemos fazer exames rotineiramente, sem, contudo, transformar a vida numa ditadura médica e farmacológica. Se quase arrancamos os cabelos por conta de mudanças de humor, talvez pequenos detalhes, que nos valorizem, possam aumentar a auto-estima. Temos que re-viver, passar pela idade sem ressentimentos. Aprendemos que a mulher bonita não pode ser menos que as capas de revista. Mas, o envelhecimento natural pode ser belo, se formos capazes de nos potencializarmos e soubermos aproveitar o talento que temos, e que muitas vezes foi esquecido por conta de tantos outros deveres.
Saber envelhecer é arte. Nela reside a sabedoria que foi capaz de passar pelo tempo e não se deixou sucumbir. Se temos projetos, alegria, força, amor à vida, aos bons encontros, nosso corpo se reconfigura. A postura fica mais ereta, os olhos chegam ao alto.
Fico pensando que há muitos séculos “sofremos” o lugar de ser mulher. Como se tudo coubesse em nosso ser: ser mãe, trabalhar fora, apaziguar desentendimentos, ser conselheira, sermos “enxutas”, fazer amor sem vontade, escutar e até obedecer. Supervalorizamos isso e esquecemos, na verdade, de pequenas sutilezas e gentilezas com nós próprias. Cheguei até aqui com a vontade acirrada de podermos repensar esse lugar.
Agora? Mas, já estou com cinquenta, algumas dirão. Não importa! A verdade é que temos que viver um dia de cada vez e, se pudermos escutar o nosso coração, sentir melhor o corpo com suas necessidades, não haverá menopausa que nos enfie num buraco negro. O que haverá é um espaço maior dentro de nós, uma redescoberta de uma mulher mais sábia, que fez de seu próprio corpo uma nova moradia. Maior relaxamento e gozo estarão presentes, porque não teremos a pressa das frenéticas. Teremos o saber e a afirmação pela vida.
Marisa Speranza

24 de mar. de 2009

Tempo de futuro

Saí de mansinho. Não sabia mais o que dizer. São tantas inquietudes que me atormentam, que sinto que a cabeça vai explodir. Preciso de ar e a culpa não é de ninguém. Existe um mal estar de mulher em mim. São as perfeições em contraste com as imperfeições. Sinto-me clandestina em uma cidade desconhecida, nua. Corre-se o boato que a felicidade existe. Corre-se em vão em direção ao que já é outra coisa. Tudo embrulha no estômago. São necessidades diversas, diferentes, antagônicas e eu no meio do tufão. Remexo-me na cadeira, agora na varanda. Antes estava também sozinha como eu. Procuro folhas prá escrever o que está em meu coração. Que chatice! Olhos lacrimejam saudades de um passado. Faltas de odores e tatos. Fecho a boca prá não sentir o gosto da marmelada. Era criança e nem gostava muito. Fecho os punhos para não poder dar as mãos ao invisível. Sinto uma brisa que me leva para um lugar distante, um prédio, com nomes de crianças e adultos. Ainda passo por ele, pequeno, agora. Lembro das brincadeiras, dos tropeços, das quedas de bicicleta e dos amores escondidos. Quero sair desse embalo infantil. Minha mãe me cuidava, meus avós também. Tinham alguns martírios, delicados e outros não. De todas as brincadeiras, a de maior sedução era pular para o futuro. O que seríamos, para onde iríamos? Naquela época, era tudo ficção; ninguém tinha noção dos lugares que visitariam, das pessoas que abandonariam, apesar das promessas de amizades eternas, feitas com sangue. E, o tempo passou e o futuro é agora. Nesse instante, vivencio os cheiros da panela, de carne moída. O cão late, mais um em minha vida. Encontro-me na corda estendida, perambulando. Meu desejo é dançar, mas o precipício pode fazer com que eu tenha vertigem e caia. Já não tenho a leveza de outrora. Minha psique está mais exigente, mais pesada. Sou mais perspicaz e tudo me diz algo. Parecem fantasmas vivos a me rodearem cantarolando algo das profundezas. Meus sonhos são coloridos, intensos e difíceis de interpretação; às vezes levo dias para decifrá-los. É um alívio existir ainda. As sombras que me acompanham são reminiscências de desejos ocultos. Tudo flui e eu queria ficar aqui parada apenas. Sentindo o ar, meu hálito, meus cabelos nas costas, o calor do quarto. Saíra da varanda há muitos séculos. Tudo se passa em segundos. Meus pensamentos percorrem estórias vividas, entoadas e devaneadas. Como conheci gente! De toda espécie, tantas personalidades diferentes. Umas não valeram a pena; outras, deixaram suas marcam que, apesar da distância, ainda fazem parte de mim, do meu eu, do meu ninguém. Faço um recesso para ir longe ainda mais. Quero saber o que ainda está por vir. As mesmas coisas tão diferentes, as mesmas coisas tão entediantes. Casa-trabalho-Família-Amigos. Onde está o que ainda não vivi? O telefona está tocando e não quero atender. Deve ser algum cobrador; não de dinheiro, mas de afeto. Quanta carência existe nas pessoas. Alô! Tudo bem? Tudo bem, e você? Tudo indo....as mesmas palavras e algo mais sem muito sentido. Acho um saco falar no telefone. Aliás, acho um saco uma porção de coisas. Poderíamos aproveitar mais o nosso tempo. São raras as pessoas que fazem do meu dia, um acontecimento. É um desperdício palavras ditas, ao vento. Poucas conversas jogadas fora são inteligentes e bem-humoradas. Tornei-me muito crítica. Talvez tenha sido excesso de leitura. Como gosto de ler, aprender e me fascinar. Conheço poucas pessoas que lêem; elas dizem não ter saco. Mas, adoram falar ao telefone. Gostam de novelas e assistir o tal do Big Brother. Não gosto de ler jornais. Além de sujarem as mãos, parece ser tudo mentirinha. Gosto do ritual do chá com o meu marido. Toda noite bebemos chá e conversamos. Outro dia demos boas risadas. Gosto de cair na gargalhada; existem pessoas que são verdadeiras charges. Essas me encantam, me empurram prá frente. Elevo-me. São poucos os dias que realmente estou feliz. Nos outros, estou como agora. Não é infelicidade. É busca. É travessura não confessada. É doce. É um sabor de quero mais. Não quero me resignar, nem me robotizar. Ainda quero o porvir. Existe um dia depois de hoje, de amanhã. Quero que algo me suspenda, tire meu ar e me faça escorregar como criança. Quero que todas as letras que eu leio se unam para entoar uma melodia que tenha significado apenas prá mim. Quero a ventania no rosto, nas bochechas, que me obrigam a fechar os olhos e apenas sentir.
Marisa Speranza

15 de mar. de 2009

Amantes

Lucia deixou seu quarto, bateu a porta e saiu. Seus óculos escuros, no dia de calor quente, escondiam seus belos olhos azuis. Com sua roupa elegante, com ares de dona de si, sabia que o encontro seria perfeito. Seu carro mostarda,do ano, pequeno e veloz dizia a que classe pertencia.Usando pequenos brincos de ouro e apenas um relógio não deixava de brilhar. Chegou ao restaurante, pediu que o manobrista estacionasse seu carro e entrou. Retirou os óculos, olhou à volta e o viu numa mesa do canto. Todos a olhavam quando ela passou. Com uma pequena mordida na orelha esquerda, denunciou sua presença. Fôra recebida com um sorriso encantador. Todas as tardes de quarta-feira se encontravam. Eram simples amantes, casados com outras pessoas, infelizes, descontentes. Seu romance já durara quatro anos e sempre foi feliz. Tantas vezes sofreram porque pensavam que pudessem viver juntos. Mas, sabiam que não. A vida não lhes deu permissão. Resignados e apaixonados, viviam seu dia, por inteiro. Se tocavam, se olhavam profundamente e se beijavam. Almoçavam sob risos e conversas. Saboreavam a sobremesa e iam para um motel para se amarem. Suas peles sensíveis mostravam suas carnes, abertas, fecundas e quentes. Tudo era amor. Tudo era verdadeiro. Sempre se perguntavam quando aquilo terminaria. Sentiam medo ,mas preferiam saborear os cheiros deixados nos lençóis. Cheiro de sexo, amor, arrebatamento. Suas línguas pegavam fogo e,como animais, se acabavam loucamente. Hora de ir embora. Uma suave bruma de nostalgia se instaurava no quarto. Um suspiro longo encerrava o que não era dito, mas sabido. Tinham que voltar para seus mundos reais. Sorriam porque a próxima quarta está próxima. Enquanto Lucia retornava para sua casa pensava: O amor não deveria ser julgado. A maioria das pessoas não compreende a força do desejo e do compromisso. Prefere banalizar e dizer que é uma questão de caráter. Pessoas são complexas, presas a seus destinos e às suas pequenas tentativas de liberdade. Deixe os amantes se amarem.
Marisa Speranza

1 de mar. de 2009

Abandonando

A porta se abre e ela o vê. Com ar distraído e trazendo um lindo buquê de flores, ele sorri. O sofrimento do dia anterior se desvai momentaneamente e, ela, emocionada, joga-se em seus braços. Ele entra, vislumbra a sala clara, com suas paredes cor de marfim. Gosta da casa dela. O contraste das cores, o deixam encantado. Ela senta-se em seu sofá verde musgo e pergunta-lhe se quer beber algo. Quer uma vodca com gelo. Apesar dos beijos e dos abraços, a atmosfera era densa. Havia coisas a serem ditas. Ela olhava-o com a certeza de seu amor e de sua desconfiança. Era o impasse de sua vida. Dois sentimentos contraditórios e queria tanto se sentir segura, amada e confiante. O aroma das flores agora, imponente, permitia o silêncio ter voz. Ele jurou-lhe amor, disse que não houve nada demais, que ela poderia confiar no que dizia. O ar de menino travesso que um dia ela se apaixonara estava presente novamente. Ela levanta-se candidamente e pede licença. Caminha até a varanda e olha a vista deslumbrante. Precisa pensar, mas já sabe das respostas. Sua vida está em jogo. Qualquer resposta seria inútil. Teria que viver sozinha porque ele não sabia lidar com as responsabilidades. Seus olhos viam uma coisa e seu peito, acelerado, outra. A imagem de mandá-lo embora era devastadora. Deixá-lo ficar também. Retorna da varanda e quer prolongar o momento. Olha-o profundamente. Ele diz: não sei o que dizer, não sei do que você precisa. Gostaria tanto de entendê-la. Você exagera muito suas emoções. É melodramática. Às vezes, não sei o que você quer de mim. Sinto-me exausto. Mas, amo você. Sinto-me muito triste por não fazê-la confiar em mim. Ela se levanta, pega uma vodca também e responde: você se parece muito com o meu pai e não sei se suporto isso. O abandono, a rejeição e a impiedade foram insuportáveis. Tenho medo, muito medo de correr o risco e tudo se repetir. Ele responde: tudo se repete, de um jeito ou de outro. Você precisa se fortalecer, ficar além de mim. Não somos a metade de uma laranja. Somos pessoas únicas, diferentes e não quero lhe garantir nada. Sei apenas que amo você. Ela pega as flores, coloca-as num jarro e pede para ele ir embora.Quem sabe um dia, ela ganha juízo? Seu beijo é suave, amargurado. Por não suportar, ela o abandona.
Marisa Speranza

27 de fev. de 2009

Encanto de mundo

O dia começa. Ela se levanta da cama, ainda reticente. Não sabe ainda o que fará. Gostaria de não ter que olhar a agenda, pois hoje é sexta-feira. Seus sonhos foram muito loucos, psicodélicos. Esteve em vários lugares e não conhecia ninguém. Acordou com suas pernas embrulhadas nos lencóis macios. Ainda estava exausta. Vai para a cozinha prá fazer o café. Quer ele forte. Precisa do cigarro e não quer esperar a água ferver. Dá uma longa baforada e, sente na pele, o sol quente. Está perto da janela olhando para alguns ramos verdes de plantas. Dois passarinhos passam por ela, velozes. Ela sorri e pensa que gostaria de voar. Sair por aí. A água ferveu. Beberica devagar o liquido quente. Vai para a sala pensando em como será seu dia: livro, caminhada, cinema, amigos, filminho em casa, praia, transa. Ela faz uma longa pausa e sabe que apenas um banho vai tirá-la dessa inércia. Uma ducha fria, implacável, arrepiante. Se veste da melhor maneira possível. Um vestido simples, uma sandália prática. Pega as chaves do carro, ainda com os cabelos molhados e sai. O trânsito colabora com sua lentidão. Resolve ir à Lagoa ver gente e cachorros. Várias raças de ambos. Observa que cada um, a seu modo, é tão singular. Salta do carro e vai a um quiosque. Pede um suco de laranja e, ainda observando, se deleita. Pessoas vão e vêm, passam por ela e, parecem não notá-la. Mas, ela continua atenta. Casais brigam, casais se beijam, caminham de mãos dadas. Alguns, têm uma solidão agoniante; é como se tivessem em outro lugar. Algumas estão sozinhas, fazem sua caminhada, de um jeito estranho, outras de um jeito harmonioso. As crianças se divertem. Vivem em seu mundo próprio, repleto de vida e beleza. Alguns homens mais velhos, fazem de tudo para se tornarem mais jovens. Senhoras de cabelos grisalhos, caminham vagarosamente. Sabem que o tempo agora é mais curto e parecem apreciá-lo mais. Os cachorros treinados, não ousam ir além. Os bagunceiros, latem, balançam seus rabos, correm e se enroscam nas próprias coleiras. O céu está azul, o sol brilha e as barraquinhas de sorvete não param de vender. Coisa linda de se ver. Sai do quiosque, dá uma caminhada serena no compasso das senhoras e aprecia também. Gosta de sentir o calor sobre a pele. Fica por ali umas duas horas. Pega seu carro, volta prá casa e come uma lazanha comprada no mercado; adora quatro-queijos. Toma outro banho, veste outro vestido, liga para algumas amigas e todas já têm seu programa. Sai novamente sozinha. Vai para o shopping, mas não quer comprar nada. Senta-se em outro quisque e observa. Agora as pessoas são diferentes. Não têm o ar da inocência. A maioria, só pensa em compras. Está no olhar frenético, na forma de andarem e se esbarrarem. São muito estímulos, são muitas propagandas de tv e elas pensam que felicidade é ter esse montão de coisas. Não aguenta fazer mais parte daquela conspiração e sai do lugar horroroso. Pega seu carro e retorna prá casa. Havia uma mensagem em sua secretária eletrônica. Ela escuta, ri e resolve cair na poltrona. Seus devaneios e lembranças ainda são muito fortes. Mas, não pode mais ficar com aquele homem. Fazi-a sofrer com seu egoísmo e seu jeito narcísico. Para tudo existe um preço a pagar. Sente-se encurralada em seu próprio corpo, não tem como sair dele e nem quer. Precisa apenas que o mundo seja mais encantador.
Marisa Speranza

27 de jan. de 2009

Desabafo de mãe

Hoje estou triste. Descobri que minha filha está fumando. Coisa doida essa de aperto no peito. Que incômodo! Por que ela não poderia ter outras opções? Conversamos e coloquei alguns limites. Ela diz que sou louca. Queria que eu fosse amiga dela. Mas, eu sei que sou. Ela quer que eu concorde com tudo que ela faz e diz. É adolescente, pensando ser adulta. Tenho que zelar porque sei que as tentações são fortes. Também já fui adolescente e como é difícil não ser arrastada pela vontade de querer chamar atenção, fazer parte do grupo e ser aceita. Que chatice! Detesto ter que ficar interferindo, dizendo um monte de coisas de mãe. Será que ela não se toca? Quer fazer o que lhe dá na telha. Chegar tarde, sair, bebericar e mais essa de hoje. Não adianta dialogar, se acha ferida sei lá porquê. Sempre a culpa é de mãe e pai. Somos culpados de tudo? As pessoas não sabem decidir? Já sei. Ela decidiu fumar, beber, chegar tarde, ouvir som alto e eu tenho que compreender. É isso o amor incondicional? É difícil entrar no mundo dos jovens; um passo e lá está o abismo olhando para eles. Ainda acredito, diferente de outros pais que vejo por aí, que preciso ver e ficar atenta à minha filha. Sei que ela é do mundo, não é minha. Mas, sei que ela ainda não sabe o que decidir. O discernimento, nessa idade, nem sempre é bom. Ainda tem muito a aprender, sem precisar se machucar. Imagino a dor de uma mãe quando seu filho é viciado em drogas. Deus me livre! Viro bicho. Não sou louca mesmo? Só porque imponho horários de chegar, porque quero que ela arrume seu quarto, não se atrase, estude. Essa é minha loucura. Converso muito também. Sempre dialogando. Ela diz que tem boa cabeça. Acredito. Por outro lado, boas cabeças também rolam não é mesmo? Pois é.... a vida continua, preciso ainda ter fé. Mas, fumar? Francamente! Que coisa idiota; dentes amarelos, pulmões pretos, pele áspera. Ela não vê as campanhas anti-tabagismo? E, quando parar? Gorda! Irritadiça! Mais do que nunca queria tanto levar a vida como algumas mães que conheço. Já ouvi assim: "Quando ela tiver câncer de pele, não estarei viva mesmo". Você não vai pedir para seu filho passar filtro solar? Acho, sem ser radical, que pessoas de dezoito, dezenove, vinte,que ainda não trabalham, moram com os pais, têm mais que seguir as regras da casa.E, quer saber? Só tem direitos quem tem deveres e, só sabe mandar, quem sabe obedecer. Então, querida filha, lamento.
Marisa Speranza

20 de jan. de 2009

De mãe para filhos I

Há qualquer momento, posso morrer. Tenho tantas coisas a dizer. Muitos livros para indicar; minha biblioteca é vasta. Tantos filmes a compartilhar. “O Poderoso chefão”, é um clássico. Muito a aprender; quantas sutilezas, valores e desconstruções. Tenho muita estória pra contar, mas as melhores giraram em torno de meu avô e minha mãe. Quero, no momento, deixar registrado que o bom humor, ainda é a melhor arma para se viver. Nem sempre devemos levar, a sério, as pequenezas da vida. O que vale é o resultado final. Por outro lado, honestidade e integridade ainda fazem parte do meu cardápio. Já sofri muito por minha franqueza. E, tenho um excesso de generosidade, que pode parecer arrogância, mas tô me lixando.Entendo o conceito como ética. Se, penso numa palavra, associo à outra. Respeito por horários, contratos e promessas são tudo que valorizo, além das amizades. Por outro lado, sempre fiquem atentos à demagogia. Existem muitos interesseiros. Sou da época, que fazer bem era um bem. Continuo assim. Controlo as pessoas com as palavras e atitudes.Quem souber olhar de perto, verá que sou pessoa legal. Nada de bem ou de mal; isso varia, de acordo com as perspectivas. Não julguem, não falem mal. Fiquem antenados. Não fujam de um olhar. E, o aperto de mão precisa ser forte. Solidez do pensamento requer requinte. São estradas percorridas de lembranças com afeto e aprendizados do dia-a-dia. A vida é sempre bela, mesmo quando estamos sofrendo. Daqui a um tempo, estaremos juntos, de alguma forma. Espero, que a morte seja repleta de significados. Quanto sentido existe em meu ser. Como amo vocês, criaturas do devir, do futuro. Sei que muita água rolará. Não percam o farol de vista, suas referências. Cada um de nós, cantarola uma música; ela diz tudo a nosso respeito. Mude o refrão, reinvente e crie novas melodias. Tenho tanta coisa a dizer. Uma delas é a respeito do amor, seja de onde vier. Paciência, compreensão, paixão e amizade formam um ótimo ingrediente. Hoje, estou simples. Falo direto, sem palavras rebuscadas. Hoje, escrevo apenas para vocês, meus filhos queridos.
Marisa Speranza

2 de jan. de 2009

Sussuros

Sussuros nas paredes. Elas falam comigo. Sei que estou à procura de novos sons. Mergulhar nas profundezas de meu novo ser, sempre em mutação. Ontem, fiquei por aqui, deixando palavras passearem em mim, meu corpo. Minha cabeça foi invadida por palavras que não tomei nota. Esvaíram-se. Não consigo me recordar. Eram tão bonitas, multifacetadas. Todas coloridas e quentes. Perdi-as. Entro em angústia quando isso me acontece. Perdi o sopro do momento. Quero recuperar o instante e as paredes ainda falam comigo. Não consigo alcançar o sentido das coisas, de mim. Meu ventre pulsa, minhas pernas fraquejam. Não quero caminhar, fazer esforço. Quero que palavras se apoderem de mim, me rasguem, me comam. Puro gozo. Mas, não é isso que está acontecendo. Estou no vazio, no meio do nada, vertiginosamente livre, solta. Às vezes tenho medo dessa sensação que consome minha carne, me faz morrer. Fico lutando e recorro às palavras inúteis. Elas não querem saber de mim. Penso em dormir prá acordar depois e dizê-las porque sonhei, desejei. Tenho medo de ficar paralisada, distanciar-me e nunca mais encontrá-las. Estou ficando aflita porque ansiosa. Preciso parar agora de ouvir esses fantasmas que gritam das frestas. Tampo os ouvidos. Prefiro ficar no nada, tonta. Prefiro esperar outra hora e não adoecer de palavras não ditas. Preciso de um tempo.
Marisa Speranza