7 de ago. de 2012

Delírio de Joana



    Ressentimento é ficar sentindo há muitas léguas. Tudo se transforma em apertos e obsessões. Joana precisa sair do lugar comum, da moral que se estabeleceu a partir da vingança.
    Ser mulher é se machucar com excesso de expectativas. Romântica, feroz em sua performance sexual e o espelho grita.
    Todo começo é de sedução, de olhares, de decotes indecorosos. Mulher que se torna objeto; ela quer o corpo perfeito, nos gestos gentis, faz sua mágica com maestria. 
    Em seus pensamentos mais obscuros, velados a luz de velas, declara para si mesma que quer aquele homem para si. Mas, ele não a quer; só para se divertir no mais carnal de corpos entrelaçados.
    Ele some. Ela liga, liga novamente. Ele está no banho, jantando ou ocupado. A angústia cresce. Ela quer o homem de qualquer maneira. Seu cheiro, sua pele, suas mãos, seu pênis falam através de seu corpo saudoso, ansioso por mais mil vezes.
    Joana devaneou. Se entregou à imaginação de um final feliz. Ledo engano.
    Tudo pulsa em seu ser. Amor e ódio, fruto da rejeição, se misturam na ideia  frenética de possui-lo. Afinal de contas, ela o comeu. Ela tinha o vertiginoso controle do gozo dele. E ele não atende o telefone. Ele não a quis mais. Jogou-a fora como papel.
    Ressentimento, vergonha, frustração. Diz para si mesma que ficará isolada, que os homens não prestam, que a vida é uma merda. Não alcança seu vazio, projeta suas carências na maior cara de pau. Sente-se enganada, ludibriada. Passa por momentos de melancolia e histeria. Quer se valorizar. O que afinal isso representa? Já não sabe mais; é de um outro tempo. E o tempo se esgotou.
    Marisa Speranza

25 de mar. de 2012

Fuso Horário




  Sem acreditar na viagem que iria fazer para países estrangeiros, deu-se conta que já estava na viagem da vida. Levou um susto porque estava à serviço das agências de turismo e da moda que afirmavam que tinha que conhecer Paris, Londres e Espanha. Não está com a mínima vontade de ficar à mercê de fusos horários,dos corre-corres, das bagagens, da poltrona da classe econômica. Gosta mesmo de vivenciar silêncios, pássaros, cores e amores. Gosta de sua rua, diferente todos os dias, das pessoas conhecidas que sempre tem estórias diferentes para contar. Aprecia cozinhar, temperos e vinhos. Sua fisionomia se modifica aos sabores. Gosta das idéias, dos pêlos eriçados e excitados pelos simples pensamentos. O abraço do seu homem, seu beijo ardente já a leva para lugares distantes. Sua boca se nutre de fogos de artifícios, árvores de Natal e cheiro de neve. Sua púbis, seu lugar de acolhimento a faz estremecer pelo tato das mãos que a gozam. Pensa nas ausências das coisas rotineiras, em seu vazio e da sensação de não ser e nem precisar chegar. Entende que a breve vida já é suficiente, com muitas aventuras e, nos intervalos e na calmaria, sente que o mundo inteiro brilha. Não quer a vaidade e nem as palavras ditas em outras línguas que apenas afastam. Está longe de querer fotos digitalizadas que sempre lhe dão a impressão que as pessoas estão mais preocupadas em dizer “eu estive aqui” do que realmente vivenciar. Irá, um dia, a outros lugares, ultrapassar fronteiras, se puder levar poucas roupas, sem tempo, no seu tempo e sem máquinas fotográficas.
Marisa Speranza