24 de mar. de 2009

Tempo de futuro

Saí de mansinho. Não sabia mais o que dizer. São tantas inquietudes que me atormentam, que sinto que a cabeça vai explodir. Preciso de ar e a culpa não é de ninguém. Existe um mal estar de mulher em mim. São as perfeições em contraste com as imperfeições. Sinto-me clandestina em uma cidade desconhecida, nua. Corre-se o boato que a felicidade existe. Corre-se em vão em direção ao que já é outra coisa. Tudo embrulha no estômago. São necessidades diversas, diferentes, antagônicas e eu no meio do tufão. Remexo-me na cadeira, agora na varanda. Antes estava também sozinha como eu. Procuro folhas prá escrever o que está em meu coração. Que chatice! Olhos lacrimejam saudades de um passado. Faltas de odores e tatos. Fecho a boca prá não sentir o gosto da marmelada. Era criança e nem gostava muito. Fecho os punhos para não poder dar as mãos ao invisível. Sinto uma brisa que me leva para um lugar distante, um prédio, com nomes de crianças e adultos. Ainda passo por ele, pequeno, agora. Lembro das brincadeiras, dos tropeços, das quedas de bicicleta e dos amores escondidos. Quero sair desse embalo infantil. Minha mãe me cuidava, meus avós também. Tinham alguns martírios, delicados e outros não. De todas as brincadeiras, a de maior sedução era pular para o futuro. O que seríamos, para onde iríamos? Naquela época, era tudo ficção; ninguém tinha noção dos lugares que visitariam, das pessoas que abandonariam, apesar das promessas de amizades eternas, feitas com sangue. E, o tempo passou e o futuro é agora. Nesse instante, vivencio os cheiros da panela, de carne moída. O cão late, mais um em minha vida. Encontro-me na corda estendida, perambulando. Meu desejo é dançar, mas o precipício pode fazer com que eu tenha vertigem e caia. Já não tenho a leveza de outrora. Minha psique está mais exigente, mais pesada. Sou mais perspicaz e tudo me diz algo. Parecem fantasmas vivos a me rodearem cantarolando algo das profundezas. Meus sonhos são coloridos, intensos e difíceis de interpretação; às vezes levo dias para decifrá-los. É um alívio existir ainda. As sombras que me acompanham são reminiscências de desejos ocultos. Tudo flui e eu queria ficar aqui parada apenas. Sentindo o ar, meu hálito, meus cabelos nas costas, o calor do quarto. Saíra da varanda há muitos séculos. Tudo se passa em segundos. Meus pensamentos percorrem estórias vividas, entoadas e devaneadas. Como conheci gente! De toda espécie, tantas personalidades diferentes. Umas não valeram a pena; outras, deixaram suas marcam que, apesar da distância, ainda fazem parte de mim, do meu eu, do meu ninguém. Faço um recesso para ir longe ainda mais. Quero saber o que ainda está por vir. As mesmas coisas tão diferentes, as mesmas coisas tão entediantes. Casa-trabalho-Família-Amigos. Onde está o que ainda não vivi? O telefona está tocando e não quero atender. Deve ser algum cobrador; não de dinheiro, mas de afeto. Quanta carência existe nas pessoas. Alô! Tudo bem? Tudo bem, e você? Tudo indo....as mesmas palavras e algo mais sem muito sentido. Acho um saco falar no telefone. Aliás, acho um saco uma porção de coisas. Poderíamos aproveitar mais o nosso tempo. São raras as pessoas que fazem do meu dia, um acontecimento. É um desperdício palavras ditas, ao vento. Poucas conversas jogadas fora são inteligentes e bem-humoradas. Tornei-me muito crítica. Talvez tenha sido excesso de leitura. Como gosto de ler, aprender e me fascinar. Conheço poucas pessoas que lêem; elas dizem não ter saco. Mas, adoram falar ao telefone. Gostam de novelas e assistir o tal do Big Brother. Não gosto de ler jornais. Além de sujarem as mãos, parece ser tudo mentirinha. Gosto do ritual do chá com o meu marido. Toda noite bebemos chá e conversamos. Outro dia demos boas risadas. Gosto de cair na gargalhada; existem pessoas que são verdadeiras charges. Essas me encantam, me empurram prá frente. Elevo-me. São poucos os dias que realmente estou feliz. Nos outros, estou como agora. Não é infelicidade. É busca. É travessura não confessada. É doce. É um sabor de quero mais. Não quero me resignar, nem me robotizar. Ainda quero o porvir. Existe um dia depois de hoje, de amanhã. Quero que algo me suspenda, tire meu ar e me faça escorregar como criança. Quero que todas as letras que eu leio se unam para entoar uma melodia que tenha significado apenas prá mim. Quero a ventania no rosto, nas bochechas, que me obrigam a fechar os olhos e apenas sentir.
Marisa Speranza

2 comentários:

Paulo Tamburro disse...

Absolutamente, lindo e de uma infinitude que nem ouso declarar.

Um grande abraço

Cultura Subjetiva disse...

Olá, vejo que tu não posta com muita frequencia e nem deve ter tempo para isso, mas quero que saibas que adorei esse post e pude me senti ''denunciado'' em várias partes que li.
As vezes eu também sinto que já experimentei tudo que podia ser experimentado, que a vida não me trará mais nada de novo. Esses pensamentos acabam com a minha vontade de viver, mas basta lembrar de uma coisa simples como tomar um chá em um fim de tarde para eu recuperar o meu animo.